domingo, 2 de junho de 2013

03 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE


Eu e Natasha compartilhávamos tudo. Nos completávamos. Ela era sonhadora, vivia nas nuvens, enquanto eu tentava puxá-la de volta ao chão. Sei lá, era um equilíbrio perfeito.

Ela queria casar, ter filhos... uma família.
Eu sempre pedindo calma. Não tinha estabilidade alguma em emprego nenhum. Na verdade, eu não queria era me sujeitar a abrir mão de meu estilo. Eu sempre fui um cara muito teimoso, quer dizer, eu era um cara muito teimoso.
Quando terminei a faculdade de jornalismo, tudo que eu tinha era inúmeras colunas maravilhosas gravadas no .doc de meu computador, que acabaram caducando pela validade da informação que elas analisavam.

As coisas começaram a ficar difíceis.
Ela queria casar, ter filhos... uma família.
Eu pedia a calma que ela não estava preparada para ter.
Ela me pedia o conforto e a atenção que eu não estava conseguindo lhe dar.
Então, eu me dei um ultimato: iria trabalhar no primeiro jornal que me chamasse para uma entrevista.

Foi aí que me apareceu o jornal.
Eu percebi, de cara, que aquele lugar não era para mim. Era um jornal bom, de grande circulação, que além do diário, organizava uma revista para a região com cultura, esporte e dicas gastronômicas.
Não sei porque separavam gastronomia de cultura, mas eu era responsável pela parte cultural.
Em menos de duas semanas, tentei dar à coluna um pouco da minha cara. Transformei as resenhas enrijeçadas na estrutura nome do evento, data, horário, local e breve comentário, em um artigo de opinião de um único evento. Escolhia algo interessante na cidade e só falava daquilo.
Resultado: deixei de participar da revista e só fiquei com as notícias de porta de cadeia, do diário.

Meu salário diminiu, eu não queria ficar atrás de ocorrências de delegacia a vida inteira.
Foi aí que a paciência dela acabou...

- Você ainda gosta dela?
- Muito...

- E como ela está?
- Casada... com dois filhos. Como ela sempre sonhou.
- humm...

- Eu acho que esperei demais pelas coisas, as arquitetei demais... fiz tudo como achei que seria o certo. Não bebia quando namorava...
- Mas ela caiu fora depois que você reduziu o salário no jornal?

- Não pense nela como uma interesseira... ela sempre via o quanto eu me esforçava para conseguir as coisas, mas o quanto isso durava para se realizar. Eu acho que meu fracasso acabou decepcionando ela. Sei lá...
- Olha, as vezes não era para acontecer, né?
- Talvez...

- Foi a primeira namorada?
- A única com quem me envolvi bastante. Sete anos... desde os dezesseis.
- Nossa...

Nos conhecemos no colégio. Ela fazia parte do grêmio estudantil. Eu escrevia alguns versos bobos. Uma vez que escrevi um poema sobre o diretor. Não criticando, nem fazendo caricaturas jocosas, só relatando, com sensibilidade, um posicionamento que não concordava. Isso chamou atenção dela. Ela me chamou para entrar no grêmio.

Corrigia os textos do pessoal. Eles escreviam muito mal, sabe? Mas tinham idéias ótimas. Eles me achavam um gênio... mas eu só consegui evoluir até ali.

- Quando tinha dezoito anos escrevia do mesmo jeito que escrevo hoje.
- Sei...

- Não sei... mas acho que era mais feliz naquele tempo...

- Bem, eu espero que tudo dê certo com você...
- É... você tem que ir né?

- Sim... mas volte sempre que quiser conversar... gostei de você.
- Mesmo?

- Pra ser sincera, mais ou menos... na verdade fiquei com um pouco de pena. Mas volte mesmo assim. É sempre bom conversar.

- Ah ta... valeu, Saudade.
- Não se ofenda...













terça-feira, 28 de maio de 2013

Tchékhov, o gordo, o magro e outras histórias

Tchékhov, ao lado de Gogol, Maupassant e Poe, é um dos maiores contistas da literatura universal - na minha singela opinião. Diferente de Poe, ele não explora o terreno do horror fantástico, mas sim o medo social dos temas comuns do cotidiano de vidas inexpressivas que fazem parte de uma sociedade russa ainda Czarista. Seus personagens possuem a dimensão humana presenciada em nossos tempos, sob a influência do consumismo capital. da conveniência dos papeis sociais e das classes que fulano de tal ocupa, apresentada em uma narrativa de humor, melancolia e muita ironia. 

Pessoas comuns, vidas comuns e uma obra eterna. Destaco o conto O Gordo e o magro, da obra A corista e outras histórias, de Tchékhov, onde nas bancas paulistanas sai pela bagatela de R$ 5,00 (impressos na capa) pela edição Coleção 64 Páginas, da L&PM pocket. O conto nos mostra algo fundamental para nossa história contemporânea (segundo o meu singelo olhar leigo): a revolução funciona na cabeça de cada indivíduo, no dia-a-dia, e não no golpe de Estado de determinados grupos. Observamos que, diante de tantas lutas e tantas reformas promovidas pelos Bolcheviques, presenciamos as mesmas mentalidades czaristas modernizadas em suportes inovadores de Ipads e redes sociais.

Aproveitem a leitura do conto O Gordo e o magro, de Tchékhov.

O GORDO E O MAGRO

´´Na estação de caminho-de-ferro «Nikolaevskaia» encontram-se dois amigos – um gordo e o outro magro.
O gordo acabava de almoçar no restaurante e tinha os lábios lambuzados de manteiga, nédios como cerejas maduras, cheirava a xerez e a fleur-d’orange. O magro entretanto, saía do comboio e estava carregado de malas, trouxas e caixas. Cheirava a presunto e a borras de café. Por trás das suas costas espreitavam a esposa, uma mulher franzina de queixo alongado, e o filho, um colegial, alto e um olho semicerrado.
- Porfiri! – exclamou o gordo ao ver o magro. – És tu, meu velho? Há que tempos não nos víamos!
- Jesus! Admirou-se o magro. – Micha! Amigo! Que te trouxe aqui?
Os amigos beijaram-se três vezes e fixaram um no outro os lhos cheios de lágrimas. Ambos estavam agradavelmente surpreendidos.
- Meu caro amigo! – começou o magro. – Não contava ver-te aqui! Que surpresa! Deixa-me ver-te bem! O mesmo bonitão, como sempre foste! O mesmo janota, o encanto em pessoa, Aí Jesus! Então, como é? Já estás rico? Casado? Eu já tenho família, como podes ver… apresento-te a minha mulher Luísa, da família dos Wanzenbach… uma luterana… O meu filho Nafanail, aluno do terceiro ano. Aqui têm o meu amigo de infância! Andámos juntos na escola!
Nafanail pensou um bocado e tirou o boné.
- Sim, andámos juntos na escola – prosseguiu o magro. – Lembras-te como te chamavam? Heróstrato* , por teres queimado um livro da biblioteca com um cigarro. E a mim Efialtes**, pois era queixinhas. Ah! Ah! Éramos crianças! Não tenhas medo, Nafanail! Chega-te cá mais perto… E eis a minha mulher, da família dos Wanzenbach… é uma luterana…
Nafanail! Pensou um bocado e achou por bem esconder-se por trás das costas do pai.
- Então como te corre a vida? – perguntou o gordo, olhando o outro alvoraçado. – Onde estás, na função pública?
- Sim, meu velho! Há dois anos que tenho grau de assessor e a ordem de Estanislau. O ordenado é baixo, mas isso não vem ao caso. A minha mulher dá lições de música, eu também montei um pequeno negócio; faço cigarreiras de madeira. Boas cigarreiras, a propósito. Vendo-as a um rublo cada. A quem comprar dez ou mais, faço desconto. Cá nos arranjamos como podemos. Antes trabalhava num departamento, agora metem-me aqui como chefe de secção… Bem, estamos já aqui. E tu, como vais? Não subiste ainda a conselheiro de Estado, hein?
- Não, meu caro, estou ainda mais alto – respondeu o gordo. – Sou conselheiro privado… Tenho duas Estrelas.
De súbito, o magro empalideceu, petrificado, mas logo o seu rosto abriu-se num sorriso desmedido e o rosto e os olhos pareciam faiscar. Encolheu-se, curvou-se, ficou mais estreito… As suas malas, trouxas e caixas também se encolheram, encarquilharam… O queixo alongado da mulher alongou-se ainda mais, e Nafanail pôs-se em sentido e abotoou o uniforme do colégio.
- Sim Excelência… é um grande prazer! Afinal, tenho por amigo de infância, se me permite a expressão, um alto dignitário do Estado! Ih! Ih!
- Ora, deixa-te disso! – disse o gordo, fazendo uma careta. – Perdão… mas como é possível… ciciou o magro, encolhendo-se ainda mais. – a benevolente atenção da Vossa Excelência é para nós um maná vivificante… A minha mulher Luísa, luterana, se me dá licença…
O gordo quis objectar qualquer coisa, mas ao ver no rosto do outro tanta devoção, doçura e submisso respeito, sentiu-se enjoado. Voltou a cabeça estendeu a mão em jeito de despedida.
O magro apertou-lhe três dedos, inclinou-se numa reverência profunda e soltou um risinho «Ih! Ih! Ih!», como um chinês. Nafanail curvou-se numa vénia e deixou cair o boné. Todos os três estavam agradavelmente surpreendidos.``


* Herostrato, com intuito de imortalizar o seu nome, incendiou em 356 a.c. o Templo de Ártemis, em Efeso, uma das sete maravilhas do mundo.
** Efialtes traidor do povo grego que, na batalha de Termópilas (480 a.c.) indicou o caminho secreto aos Persas.


domingo, 26 de maio de 2013

Gabriela despertou-me Jorge, ou Jorge despertou-me Gabriela?


Eu lembro do dia em que disse:

- Sabe, Jorge Amado é um escritor que não me atrai. Vender uma imagem da Bahia que não condiz com a realidade, produzir romance para virar novela da Globo, tudo isso me chateia muito. Eu gosto de romances sociais.

Puro preconceito de quem nunca havia lido nada do autor. Só o conhecia do boca a boca, das aulas teóricas do cursinho. Em sua essência mesmo, na humildade de sentar e ler, não conhecia. Mas... a língua não tem osso, e nós falamos com aquela potência de críticos literários, versificando saberes de ouvi por aí.

E nós somos assim. Nas nossas escolhas literárias, muitas vezes somos tomados pelo conceito de leitura dos outros e deixamos de conhecer boas obras só porque elas não são o IN do momento. Se você tem esse tipo de postura para escolher livros, nos abracemos! Fomos formados maus leitores. Somos daqueles que andam com um livro qualquer embaixo do braço e nos vemos no direito de opinar a leitura alheia. Tudo tem que ser lido, assistido, ouvido, para não cometermos esse erro de criticarmos sem saber.

Jorge Amado é maravilhoso. Descobri na leitura de Gabriela, cravo e canela um mundo imenso. É um autor para ser bem lido, bem cultuado. Devemos explorá-lo em detalhes, refletir as intrigas por ele postas, observar o caos de sua obra em um processo que faz acontecer na levidez do acontecendo. Gabriela existe para que reflitamos aquele mal estar de um progresso que acontece em todo lugar, menos na mentalidade humana de seus personagens.

Ricardo Celestino

02 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

Sou jornalista e escrevo numa coluna sobre cultura. Minha rotina é ir aos lugares e escrever alguma coisa sobre eles. Meus dedos criativos são livres para compor uma resenha que caiba em um quadrado de vinte centímetros de um jornal diário.

A coluna sai às quartas. No dia do jogo. No dia em que as pessoas estão chateadas com a rotina do trabalho. No dia em que a semana estaciona. No dia em que ninguém acha legal ler sobre cultura. Exceto a galera lá do meu jornal.

Eu costumo ir para vários lugares diferentes. De todos os lugares que eu conheço tenho milhares de coisas para escrever, compor, contar. Cada local, cada arte, tem a sua particularidade muito bem descrita.

Mas parece que as pessoas cansaram um pouco da inovação. Elas não gostam de criar e preferem apenas exaltar o conhecido. Eu queria poder escrever minha coluna a moda daqueles homens que inventaram o jornal.

Isso me irrita...

- E é aí que eu entro...
- Como?

- Você sente saudade de toda aquela agitação de antigamente né?! Pessoas criando coisas novas... gritando!
- É... parecia que antes tudo era feito com mais amor.
- Pois é... aquela época de gente com pulso firme, né?! Que tinha gogó!
- Exatamente. É como se você soubesse exatamente o que estou pensando...
- Aquela época que você não viveu...
- Isso... Qual seu nome?
- Saudade...
- Ah...

- Por que você está triste? Quer dizer... o fato das pessoas não escreverem coisas novas, ou de um jeito mais bacana, não deve influenciar tanto assim na tua vida pra te deixar tão chateado.

- Não sei... só que, bem... acho que já fui mais feliz um dia.
- Acha mesmo?
- É...

Quando eu estagiava no jornal, mesmo ganhando menos, tinha uma coisa que me fazia acreditar que eu ia pra frente.
Meus escritos sempre foram ruins, mas eu era novo... parecia que com o tempo melhoraria.
Só que ele não foi tão legal comigo... o cargo que eu assumi foi por falta de gente que o quisesse.
Acredite, em São Paulo, não é todo formado em jornalismo que aceita trabalhar num jornal de bairro com um salário de dois salários mínimos para escrever besteiras culturais.

- Eu acho que, no fim, deixei tudo nas costas da esperança.

- E por deixar tudo nas costas dela, você acabou aqui... sentado nesse banco comigo.

- Acho que se eu tivesse optado em ser outra coisa, estaria bem pior do que estou hoje.

- Será? Sua vida não foi traçada pelas opções que você fez? Será que se você tivesse colocado alguma vírgula fora do lugar, em um desses momentos aí, você não seria hoje alguma outra coisa?

Eu adorava escrever textos literários e dar de presente para as pessoas. Um amigo estava afim de uma garota, eu escrevia um poema. Uma garota queria impressionar algum affair, eu escrevia um conto.

Um nerd queria impressionar um nerd, eu escrevia um conto de terror, uma história fantástica, um elfo que matasse orcs, qualquer coisa.

- Este banco está desconfortável?
- Não. Eu gosto da sua companhia.

- Então vamos lá. Deve haver alguma coisa na sua memória que te conforte.

- Acho que sim. O amor... o amor foi diferente...

domingo, 19 de maio de 2013

UM ENCONTRO COM A SAUDADE


Não sei por que, mas pela manhã é muito difícil abrir meus olhos.

Mesmo com as percianas abertas e o verão estapeando minhas maçãs, meus olhos nunca querem abrir.

Um bom tempo depois do meu corpo, eles despertam ao som de um toque ensurdecedor de celular, me colocando em pé em posição de ataque: quem tenho que matar? Quem foi atingido? Para me colocar em pé, somente o som de tiros e explosões.

- Meu nome é Roberto e minha vida é uma merda!

Isso eu reflito no banho, enquanto a água quente faz com que minhas lágrimas nem sequer apareçam, e eu fico com a feição de um idiota chorando sem elas.

- Moro numa avenida paulistana cercada de gente que fede a merda. A minha vida...
- O que?
- Eles fedem à minha vida.

- Com ela?
- Também.

Então visto a pior roupa do armário. Só tenho piores roupas em meu armário. Não são roupas velhas, são roupas sem graça. Se eu tivesse que vestir uma roupa que me deixasse confortável em meu dia-a-dia, vestiria a fantasia daquele homem que aparece na TV.

Não há o que comemorar. Meus olhos ardem devido ao choro matinal forçado.

Cigarros esperam ao lado de um pão e uma xícara de café.

O viaduto era de chás.

Os chás faziam notas verdes,

Que faziam uma música,

Que mobilhava minha casa e tirava meus sentidos.

A vodca estava muito cara.

Natasha, Orlov te odeia!

- Orlov?
- Bem... é uma marca de vodca barata.
- Humm... Natasha?

- Bem... tem aquela barata que te dá nó na garganta, e aquela outra que me faz o mesmo. As duas me perseguem o dia seguinte inteiro: uma me causando náuseas e vômitos, a outra depressão.
- Poxa... literatura não é seu forte.

Pois é... caminho até uma padaria em frente ao meu apartamento.

Quase todos os dias alguém quase me faz o favor de me deixar feliz, mas breca quando deveria ter acelerado mais.

Na padaria, quem me atende é uma pessoa-registradora que parece uma máquina de fazer café e pão-com-manteiga.

Mas eu entro só para ler o jornal. Não ganho o suficiente para tomar café todo dia na rua. Eu sou uma máquina de angústias.

- Agora está melhorando...
- Meu dia?

- Não... sua literatura. Sabe, eu só te perguntei o que você faz da vida, não precisa narrar todos os teus passos.

- Poxa, é que faz tempo que ninguém me pergunta nada...

segunda-feira, 8 de junho de 2009

CÂNTICO AZUL

Senti vontade de levantar rápido depois de ter engolido aquela praga! - foi o que disse Carlos após consumir uma bolinha e agarrar-se ao violão. Sempre que exibia seus dotes solísticos um pouco fora de tempo, mas não sem brilho, estava com alguma química agindo em seu organismo. Sóbrio seria um dos melhores violonistas brasileiros, sóbrio conseguiria shows nos grandes teatros municipais ao lado de grandes orquestras o acompanhando, sóbrio seria aclamado como o melhor compositor e letrista sem escorregar alguns versos mal colocados e impulsivos. Talvez sóbrio Carlos seria estudante de administração e nunca teria pego num violão. Talvez sóbrio ele jamais teria sua Jazz band paulistana e não jamais gritaria em Mi maior.

Aquele ensaio era para a noitada no Cântico Azul, onde outros mais cinco Carlos se apresentariam com seus organismos reagindo com a variante de uísque, cerveja, vinho e talvez algo mais. O Cântico era um pedaço de New Orleans com um cadinho de Canecão, em São Paulo. A antropofagia que faltava nas ruas paulistanas.

- Ricardo Celestino

sexta-feira, 5 de junho de 2009

JOBIM, JOBIM!

Com wave, tirem suas conclusões...

impossível fazer igual!

http://www.youtube.com/watch?v=OVtys0snI3E&feature=related


http://www.youtube.com/watch?v=3d8y4HxW8Eg


http://www.youtube.com/watch?v=dwLJhBzs-jo&feature=related

CASAMENTO COM O OFÍCIO

Amarelado por cigarro
Eu espero a minha ida,
Cheirando a café,
Quem sabe chega minha subida

Quando será eu não sei,
mas eu espero minha vez.
Vão me chamar, você vai ver
Mas eu espero minha vez.

Tradição na minha cabeça,
Honrar o ofício e minha família
Amarelado por cigarros
E entupido de cocaína

Quando será eu não sei,
mas eu espero minha vez.
Vão me chamar, você vai ver
Mas eu espero minha vez.

Dos problemas os menos graves
Já ta tudo resolvido
Minha renda só aumenta
e meus sonhos são banidos

Quando será eu não sei,
mas eu espero minha vez.
vão me chamar, você vai ver
mas eu espero minha vez.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

SINAL FECHADO NA CIDADE DE SÃO PAULO

Cada vez mais eu vejo a distância,
Pessoas caminham em primeira pessoa,
olhando os próprios pés.

Eu olho meus pés.

Eu estou fechado na cidade de São Paulo
e isso já é o suficiente para que eu diga que
o sinal está fechado na cidade de São Paulo.

As pessoas são ilhas
e cada ilha na cidade é uma conversa,
é uma idéia, é uma gaveta,
de ilhas totalmente isoladas.

Cultura, política e sociedade,
Grupos cada vez mais individuais.

Quando vejo alegria,
E a semelhança de uma comunidade,
Inverdade!

Cervejadas ilhadas de risadas.
Almas penadas e coitadas
desfrutando um calor humano
pra não morrer de fome e frio no mar negro da cidade.

- Ricardo Celestino

sexta-feira, 29 de maio de 2009

FECHANDO O VERÃO... - CANÇÕES DO DESESPERO



Águas de Março
Tom Jobim


É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol

É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o MatitaPereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira

É o vento ventando, é o fim da ladeira

É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira

É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão

É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto

É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada

É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração

É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé

São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
pau, pedra, fim, caminho
resto, toco, pouco, sozinho
caco, vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol

São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.


Nada será como antes

Milton Nascimento & Ronaldo Bastos

Eu já estou com o pé nessa estrada
Qualquer dia a gente se vê
Sei que nada será como antes, amanhã
Que notícias me dão dos amigos
Que notícias me dão de você
Sei que nada será como está
Amanhã ou depois de amanhã
Existindo na boca da noite um gosto de sol
Num domingo qualquer, qualquer hora
Ventania em qualquer direção
Sei que nada será como antes, amanhã


O Mundo É Um Moinho

Cartola

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.

Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés



O MUNDO É UM MOINHO... UM MOINHO... UM MOINHO... QUE TE REDUZ A PÓ!

Ricardo Celestino

quarta-feira, 27 de maio de 2009

SOCIEDADE ALEGRIA (MALDITA QUEDA ELETROPAULO)

Certo,

acabei de compor a melhor crítica do universo e a luz acabou.

MALDITA TECNOLOGIA FILHA DO INFERNO! MALDITO COMPUTADOR! MALDITO BILL! VÁÁÁÁÁ!


Enfim, falava sobre o blog do menino Erick, ÓVEIPA, escrevi um texto grande, todo cheio de fru fru fru, e aí, PUFF!

Agora também, se vocês quiserem saber o que eu havia pensado sobre o post do menino vou soltar umas palavras-chave:

1 - livre arbítrio.

2 - sociedade.

3 - a insustentável leveza do ser (se não leram, por favor!)

- Ricardo Celestino (aguardando a próxima queda de energia)

terça-feira, 26 de maio de 2009

BITCHES BREW

E ela foi saindo tão leve, tão natural
E seus sopros, seus sonetos metálicos,
Tão breve, tão sensual,
A eloqüência de seu verso de rimas tão ricas,
Tudo tão perfeito quanto Cabral.

Foi surgindo em balaiadas de arpejos,
Dissonantes de oitavas e quartas,
O improviso de um sensitivo,
De um sentimento, de uma emoção.

Quantas notas, da leveza do mar,
Da dureza das ruas, do Sol queimando-lhe o rosto
Aqui e lá.

E vem mais, mais metais e mais versos,
Mais rimas, mais vozes,
E a solidão acompanhando cada som metálico
Provando que a multidão são pequenos navios apressados.

- Ricardo Celestino ouvindo Miles Davis - Round Midnight

segunda-feira, 25 de maio de 2009

OLHOS NOS OLHOS, E UMA VONTADE GIGANTESCA DE SER CHICO BUARQUE...

DESNECESSARIAMENTE DISTANTE

E mesmo tudo sendo sem sentido,
Eu encontro em uma sombra uma rota,
Um caminho,
Que me guia ao que sonhos levarão.

Amar você é desfrutar subjetividades,
Nas objetividades do mundo moderno.
Amar você é eternizar-se no agora
E futurizar um bom presságio
Eternamente ao seu lado.

E o que dizer do passado,
Se amar você é uma história, dia-a-dia.

Se dissessem que nada vale a pena,
Eu diria que tudo vale mais a pena
Sabendo que hoje estou com você.

- Ricardo Celestino

E de pouquinho em pouquinho a gente vai dando um jeito de ficar NECESSARIAMENTE JUNTOS, e de repente todo mundo vai falar CARAAAAALHO, ESSE CARA É LOUCO!, ou quem sabe PO, EU JÁ SABIA, E QUEM É QUE NÃO SABIA?, mas no fim, é mais uma PA acontecendo no mundo.

Mas digamos que é a PA mais perfeita e sincera do mundo!

- Ricardo Celestino

sexta-feira, 22 de maio de 2009

AMOR FINADO

Sinto muito amor,
Não conseguir anunciar minha partida,
É que você já fez tão bem a minha vida,
Que não sei qual serás a minha dor.

Ainda bem que vês,
Que minha vida não anda assim tão decidida,
Que se dedico o sol a sol a estas bebidas,
É que já não sei mais o que fui e o que tu és.

Lembra bem querida,
De nossas brincadeiras e de nossas alegrias vivas,
Por que viver desta imagem indecisa
É desviver todos os sonhos de nossas vidas.

Ainda bem que na noite escura ainda tenho companhia,
Mesmo sabendo que a corda se afina
E que de tão fino um dia tende a estourar.


- Ricardo Celestino

(pensando em um roteiro que acabei de ler pela manhã)

quinta-feira, 21 de maio de 2009

UM POUCO DE PUNK ROCK EM NOSSAS VIDAS

Hoje acordei com vontade gigantesca de escutar Ramones, então, gostaria de desejar a todos um bom punk rock no dia de hoje.

Escutem Ramones, Damned, Buzzcocks, Clash, Stiff Little Fingers, Vibrators, New York Dolls (embora não seja punk anda junto), MC5 (idem), e aí, quando enjoar, voltem a falar de violão, São Paulo, amor, tédio, raiva, euforia, angústia, e MPB.

Será que uma coisa se assemelha a outra? Ou eu preciso realmente dividir-me. Hoje estou de moicano, amanhã de terno, gravata e óculos a lá João Gilberto, hoje eu me fantasio de travesti e amanhã sou apreciador de pianos bem tocados.

Acho que na realidade, nós somos uma grande tropicália. O Brasil é uma grande tropicália, vai de Carlinhos Brown à Iron Maiden facilmente, todos os dias, talvez na mesma sequência no Media Player. E aí, um leitor atento falaria, cassete! Você critica a virada cultural por misturar rondó com forró e fala que o Brasil é naturalmente um rondó e um forró?

É, sei lá, eu acho que existem influências tropicalistas alienantes nessa vida. Cada um tem que saber o tropicalismo que lhe toque e lhe desenvolva. Talvez você escutando Ramones seguido de João Gilberto dê muitas náuseas, mas conheço muita gente que aceita um Joy Division seguido de Vomito Negro, Prodigy e coisas que não me descem muito bem.

Já que estamos na era moderna, o tropicalismo é facilmente realizável no nosso quarto, no nosso computador. O problema é quando estamos concentrados demais em digitar, em ler besteiras e toda aquela informação não é mais cultural, é um simples som ambiente, um nada passando por aí. Tal como na Belle Epòque...

Direto do túnel do tempo, o Brasil e o mundo regredindo... regredindo... mas ao mesmo tempo evoluindo... evoluindo... é o tropicalismo. É o barraco sem número identificado por um condomínio fechado logo ao lado.

Tropicalismo, de Ramones à virada cultural, à fome, à miséria...

E daí eu questiono, se virada é realmente cultural, por que uma noite de zumbis e não um catso de sessão de Cinema Novo? Eu estou louco para assistir Cinco Vezes Favela e parece impossível de se achar esse filme.


- Ricardo Celestino

quarta-feira, 20 de maio de 2009

MINHAS PRIMAS E MEUS FIÉIS

Parecem que combinam em sentir as mesmas fés,
Proclamando o mesmo canto em todos os bordéis,
Vivem minhas primas, junto de teus fiéis,
E eles te gorjetam com notas de papéis.

Aparecem na paróquia, vestindo a batina,
E deixam a safadeza para ali daquela esquina,
Pescam os olhares dos garotos e das meninas,
E diz que é errado suspirar por minhas primas.

Dançam quando o sol é só uma lamparina,
Aproveitam que outros fiéis foram dar uma dormidinha,
E descansam bem ali, ao lado de minhas primas.

terça-feira, 19 de maio de 2009

ACALENTADOS

Num bar da Mooca...

Observei que meu copo esvaziava. Reparei que meu olhar vacilava. Tentei ver mas só vi assombreado, o tempo ficava nevoado. Levantei e me joguei pro lado, com cuidado, não caí no chão. Pedi a conta e apertei a mão do garçon. Seu nome era Thiago.

Saí carregado do bar,
Não conseguia nem enxergar.
Pisei torto no chão,
E pus meu carro, na contramão.
Só vi a lanterna acender, e mais nada,
Acordei com a cabeça inchada.
Sacudi a poeira do corpo,
Estava morto? Que nada.
Só parei quando encontrei minha morada,
Na rua de cima, casa cor de barro.
Avenida bem movimentada, eu moro
Na Paes de Barros.

Uma das pessoas mais queridas que já vi na vida, Carolina, me abraçou e me beijou. Estava suado, com um pouco de frio e um pouco de calor. Naquela hora da noite, com aquela geada, o sangue quente por causa da marvada, despi minha roupa e fui logo pro banho. Me acalentou. Me acalmou. Quase dormi e Carolina me trocou.

Segurar tua mão não é sofrimento algum,
Eu me orgulho de ter um marido bebum.
Me apaixonei quando éramos estudantes,
Agora você saí e eu cuido de nossos brilhantes.

Calma que a vida é uma praça,
Todo mundo vê, todo mundo anda e comenta,
Eu sei que não se vive sem a graça,
D ser um boa-praça, pra seguir em tormenta.

Quando vem eu quero logo te trocar,
Não suporto este teu cheiro de bar.
Diga logo o que trouxe para mim,
Fico aqui esperando meu querubim,
Ai de mim.

Eu me troco e fico pronta para amar,
Mas você vem correndo a decansar,
Não me espera, mas eu me ponho a sorrir
Vendo você, meu bebum, dormir.

Minha mãozinha passeava nos cachinhos ralos. Ele que era dono de uma cabeleira grande, hoje na tua cabeça dá pra encontrar até calos, calos de vivência, experiência, pensador. Uma das coisas mais bonitas que me disse um dia foi, Carolina venha só ver o que pesquei pra você, e no pesqueiro tinham deixado cair uma bota suja molhada. Ai que engraçadinho, ai, que nada. Ai, que menino, ai que marido... ai que acalentada!

De noite meu pescoço vazio,
Chama pro macio, meu amor.
Eu só queria que passasse essa dor,
Essa quentura que vem e que desacalenta,
Eu queria escrever um jornal, um livro, um recado,
Passo mal.
Não me sinto bem,
Não é enjôo de neném.
Estou magoada,
Não estou menstruada,
Estou angustiada,
Não estou desempregada.

Me chamaram pra uma festinha,
Você disse que já vinha, que já ia chegar.
Deixei pra lá, vou te esperar,
Dá-se um jeito pra gente ficar.

Você me avisou que o ônibus atrasou,
O bar inundou,
Que teu pé entortou,
Que o médico faltou,
Que teu patrão te ligou,
Teu pai te chamou.

Deixa assim, deixa bem,
Fica pra outro dia, outro dia você vem.

E quando chegou,
Me acalentou.

- Ricardo Celestino

segunda-feira, 18 de maio de 2009

AMIZADES, PAIXÕES E BEBEDEIRAS

O que é estar de passagem?
Se não ganhar asas e desfrutar de liberdade,
pra quê?

Conseguir correr, gritar na mesma intensidade que
Chorar, sorrir e lutar,
se estar só passando é deixar,
como em um tronco que deixa marcado tua passeada.

E se estar de passagem é andar, andar e andar,
tem que ter para isso bons companheiros,
boas companhias,
que te presenteiam todo dia com surpresas.

Um dia talvez venha-lhe uma vontade de correr ou parar,
sair um pouquinho do alcance de todo mundo,
mas estes companheiros de pernadas vão parar se você estiver cansado,
ou irão correr atrás de você para presenciar tua vitória ali,
ao vivo.

E no momento que você mais precisa de todo mundo por perto,
Pode ser que não estejam,
Eles também correm e você também deveria acompanhá-los,
então vai lá camará,
dá uma ligadinha e chame-os para umas cervejas,
compartilhar andanças na mesa parada
que movimenta moinhos,
que gera energias,
que forma bacharéis e realiza artistas.

É só não cair no esquecimento
sempre lembrar que
A vida é um cimento se estruturando,
Uma construção,
um pedacinho,
uma porçãozinha de tentativas,
e que se na vida não tiver companhias,
companheiros,
vale o que?

Se só deixar ir sem ter ninguém para te ver sorrir,
Acaba por ter que mandar ofício de amizade
e convocação para felicidade
com data e hora marcada.

Valeu, camaradas!

Ricardo Celestino

sexta-feira, 15 de maio de 2009

SÃO PAULO

Escolhe alguma coisa pra eu comer?

Dá uma bala, uma flor pra namorada?

Eu podia estar matando, roubando, sequestrando...

Escolhe alguma coisa pra eu viver?

Bala ou flor pra namorada?


- Ricardo Celestino


SOLDADO DE PAPEL

Conheci um soldado de papel
que em banho d´água se desmanchava,
Soldado que marchava,
de roupagem, marcado, de tonel.

O soldado de papel
No vento livre se encolhia, chorava,
Esperava limpar o céu.

Esse soldado de papel,
de babel em babel acorrentado,
Se sentindo motivado,
Pois em tua farda um chapéu.

Fuzilado soldado de papel.

- Ricardo Celestino

quinta-feira, 14 de maio de 2009

NOITES TROPICAIS - NELSON MOTA


Tim Maia era amigo de Erasmo desde criança na Rua do Matoso, na Tijuca, quando ainda se chamava Tião e entregava marmitas da pensão de seus pais, dona Maria e seu Altivo, considerado no bairro um mestre dos temperos. Antes da música, o pequeno Tião aprendeu a comer bem e sempre foi gorducho. Quando saia para entregar as marmitas, pendurava-as num cabo de vassoura que levava nos ombros, como um pescador chinês de carnaval. Todos os dias na hora do almoço ele saía para fazer as entregas e, balançando suas latas, passava pelo Largo da Segunda-feira, onde sempre rolava animada pelada. Era irrestível. Em campo, Tião era o mais pesado e, às vezes, o mais violento: ia na bola como quem vai num prato de comida. O exercício lhe abria o apetite e Tião abria as marmitas e tomava uns goles de sopa aqui, beliscava um pastel ali, umas bocadas de arroz e feijão acolá, um pedaço de doce, e com as marmitas mais leves seguia para a entrega.
Tanto quanto de comida, Tião gostava de música. Começou a aprender violão sozinho, ensinou três acordes para Erasmo e os dois tentavam tardes inteiras, em vão, fazer no violão as complexas harmonias do ``Desafinado`` de João Gilberto, que adoravam. Quando depois Tião foi para os Estados Unidos, se correspondia com Erasmo assinando Tim Jobim e recebia abraços de Erasmo Gilberto.
Tião tinha 16 anos qaundo resolveu que iria para os Estados Unidos. Começou a dizer para todo mundo que ia morar com uma família americana num programa de intercâmbio, fez uma campanha de arrecadação de fundos na família e conseguiu, depois de suplicantes visitas, convencer o bondoso paroco da igreja da Tijuca a completar o que faltava para a passagem de avião, só de ida. Tião tinha falado tanto para tanta gente e dado tantos detalhes da sua ´´família americana´´ que acabou ele mesmo acreditando em sua ficção e se decepcionando: na chegada a Nova York ninguém o esperava no aeroporto. Em Manhattan e depois na vizinha Tarryton, Tião virou Tim e trabalhou de garçom, entregador de pizzas, aprendeu inglês, conheceu a música negra americana, cantou em grupos vocais, fez pequenos furtos e experimentou fartamente tudo que era droga leve e pesada. Uma noite, com três crioulos amigos, foi preso em Daytona Beach, onde estavam fumando maconha dentro de um carro roubado. Passou uma temporada na cadeia em Daytona e foi deportado para o Brasil.
Ba Tijuca, de tanto cantar o rock Bop-a-lena, Tim ganhou o apelido de Babulina. Mas Babulina também era o apelido de um garotão do Rio Comprido, um mulato atlético chamado Jorge, que também cantava Bop-a-lena, tocava violão e fazia parte da guange Os Cometas. Nas rodas da Praça Bandeira, ponto de encontro das turmas da Matoso e do Rio Comprido, já se comentava que Tim iria ter problemas com Jorge, que se considerava o dono do apelido por cantar a música há mais tempo. Mas tudo se resolveu pacificamente e Jorge acabou participando de uma serenata com Tim e Erasmo, no Beco do Mota, deibaixo da janela da generosa Lilica, que costumava receber a turma toda em sua cama, um por um. Chegavam a se formar alegres e ansiosas filas de dez, doze garotos à sua porta, e muitos jovens tijucanos e rio-compridenses tiveram com ela a sua iniciação sexual. Mas naquela noite acabaram todos na delegacia por reclamação dos vizinhos e o violão foi apreendido: a serenata não era de valsas e canções mas de twist e rock and roll.
Com suas festas de rua, na Casa da Beira e na Vila da Feira, os clubes portugueses da área, com suas quermesses e suas festas juninas, a vida na Zona Norte era animada e Jorge estava em todas com seu violão, cantando Bop-a-lena e sempre agradando as meninas, até que começou a fazer suas próprias músicas, passou a usar o nome de Jorge Ben e começou a tentar a vida nos bares de Copacabana.

- trecho de Noites Tropicais, de Nelson Mota.

Esse capítulo vai para um rapaz que voltou recentemente a terras brasileiras e sempre se esforça um pouquinho para ler as besteiras que escrevo aqui no blog! Valeu!

- Ricardo Celestino

quarta-feira, 13 de maio de 2009

VELHO DOCE DA VIDA

Alimentei-me à poesia,
Que alegria deste doce,
Que fosse tão bom se existisse,
Foi o que disse, um velho angustiado,
Iluminado em poucos dias e tão triste,
Que persistisse este açúcar eternamente,
Infelizmente a vida e esse fantasma que nos traga
Acaba.

Ainda que tive a chance de estar em pé,
Minha fé foram as sombras de minhas pernas,
Que pareciam eternas, conformando minhas conquistas,
Hoje artistas que passam minha infância vida a vida,
Numa só ida,
Numa só partida.

- Ricardo Celestino
LIBERDADE

Eu preciso escrever um texto de onze linhas sobre liberdade, e fico imaginando o quão cruel é limitar, questionar, oprimir e direcionar o desejo de outras pessoas. Se quiser beber que vá, se quiser fumar que vá, teus erros acabam sendo teus erros, infelizmente afetando a vida de pessoas próximas, mas teus erros são teus erros e no final das contas quem viverá bem ou mal com eles é você mesmo. Na verdade é o homem-ácido que corrói e varre nosso espaço como varreu civilizações e multidões com questionamentos de sim e não, certo e errado, bem e mal. Vassorinnhas mágicas que não deixam rastros, mas sabem como que é, um dia você tem que abri-las e limpá-las, senão a poeira toda cai no meio da sala e a sujeira de hoje vai ser amarrotada com toda aquela sujeira carregada de outras limpadas. Pena esta limpeza ser tão desnecessária às vezes.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

SOLIDÃO

Nossos instintos são tão fracos
Que nem meu reflexo eu percebo
Observo em meu retrato
Anos de desassossego.

Solidão, não me deixe
A companhia de minha sombra
É um cabide a apoiar meus vestidos.
Eu preciso de um corpo, sim.
E quem é que não precisa?
Mas solidão não me deixe,
Mesmo nas horas íntimas,
De acompanhar-me eternamente.

Vidros e vidraças são feitos para serem quebrados.
Estilhaça-me coração de papel,
Veja, a pele envidraçada,
O que tenho a oferecer
Nada!

Rompa-me e me corrompa,
Mas solidão não me abandone!
NADA...


- Ricardo Celestino


(um dos poemas do pseudo livro, ainda em .doc no meu computador, O Homem Engarrafado! rs)

Seguindo ainda a idéia de que as pessoas se engarrafam o tempo inteiro, permanecem enclausuradas e fechadas e parece que o mundo moderno é quem emancipa essa coisa toda. A rotina, as decepções, os altos comparados com os baixos, acabam empedrando nossos corações e aí, no fim de tua vida, ualá gênio engarrafado! Todo o conhecimento e tua história consumida e você preso naquela garrafa sem desfrutar de nada, nada, nada, nada, nada.

- Ricardo Celestino, despedindo-se de seu inferno astral em contagem regressiva.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

ENGARRAFAR-SE

A literatura do novo milênio é a literatura engarrafada.

Gênios, gênios, gênios por todo o lado,
Aguardando as mãos mortais lhe acalentarem para o despertar.
Gênios engarrafados,
Tão bons no que fazem,
e pobremente limitados.

Gênios engarrafados acabam escravizados,
a viver a vida engarrafados,
no aguardo...

calma lá que já vem,
calma lá que já já ele vem.

- Ricardo Celestino

quarta-feira, 6 de maio de 2009

VIRADA ACULTURAL

VIRADA CULTURAL

Faça-se já,
Enquanto cá
Já vai tudo indo, obrigado.

Fico feliz em reconhecer que temos um pai que nos escuta,
Obrigado por realizar-me, não deixar-me muda,
Falar, já!

Mesmo todas as outras ao mesmo tempo,
No sábado...

Sábado é dia de folia,
A escravidão começou de uma conversa jogada fora,
E foi, foi , foi.

Alegria, alegria, alegria,
Envenenada, alegria.

Vamos movimentar tudo!
Todos os esqueletos,
E volto a agradecer Deus,
Por fazer-me ouvir.

Um palanque pra quem gosta de percevejos,
Dia-a-dia é chato,
O bacana é uma vez ao ano.

Jesus Cristo obrigado,
Teus percevejos desfrutaram resultados,
Mesmo barrados,
Segundo a lei da eletricidade básica.

Maracatu com sorvete e batida eletrônica,
Rock n´ Roll com samba-rock e partido alto,
Funk com Rio de Janeiro em Estação da Luz,
Zumbis massacrando, festivais de curta com reggae a noite inteira,
Teatro Municipal, Tim Maia e Raul Seixas,
Antropofagia cultural induzida,
Tiro pra todos os lados,
Culto a cultura,
Cultura que não se faz todo dia,
Que não é dia-a-dia.

Com vocês,
Virada cultural,
Only this and nothing more!

- Ricardo Celestino

NOVA ALEGRIA....

ALEGRIA ALEGRIA

Você ouviu?
Você está me ouvindo mesmo?
Alegria não é uma coisa que se compra em supermercado,
Nem se faz bacharelado de alegria.

Alegria não vêm na química do teu ópio,
Nem na dose de teu veneno.

Alegria não está na fila do desempregado,
Nem na gravata do executivo,

Alegria não mora ali, pra que você possa bater, abrir, entrar e dizer,
Bom dia!

Não, não se come alegria,
Não se bebe alegria,
Não se faz sexo com a alegria,
Não se reza alegria.

Nem se caminha contra o vento para ter alegria,
Eu estou aqui caminhando a todo momento,
Você também.

Não é por que teu barraco é de papel,
Ou você mora num bordel,
Ou num condomínio fechado.
Ah! Tem gente pior e mais alegre!

Nem aqui, nem ali, nem na China,
Que você encontra bolachinha chamada Alegrol.

Você pode até traçar uma rotina,
Tentar um planejamento, um gráfico,
Fazer uma poesia, literaturar,
Mas nunca, nunca,
Irá desfrutar inteiramente de alegria
Nessa bosta de São Paulo.

- Ricardo Celestino

terça-feira, 24 de março de 2009

CAP IV - MEDO DA MORTE

(ENCONTREI ESTA CARTA ESCRITA NAS COISAS DO MEU FINADO AVÔ. ELE MORREU EM 1999 DE UMA DOENÇA DEGENERATIVA. MINHA AVÓ MORREU DO CORAÇÃO, IGUAL A MÃE DO MEU AVÔ.)


Caminhava devagar mesmo tendo pressa, é que minhas pernas já não respondiam da forma que deveriam. Eu precisava chegar o mais rápido possível, o telefone tocava e ninguém atendia e ela era cardíaca, teve uma recaída a pouco tempo atrás. O desespero nessas horas toma conta de tal forma que nem me lembrei de minha deficiência vivida, de meus pés mancos e tortinhos... porém, eu andava devagar, muito devagar pela gravidade do que minha imaginação levava ao que tinha acontecido.
Passamos por tantas coisas juntos. Duas ditaduras, isso foi o suficiente para nos orgulharmos de vivermos até hoje sempre juntos. Formiguinhas que éramos, ainda tentávamos dar boas mordidas nos pés do homem gigante que era toda aquela estrutura complexa. Bom, ela se estende até hoje se formos reparar... e nos conhecemos no momento em que Getúlio Vargas subiu pela primeira vez. Era novíssimo, ela também, e mineiros. Ah! Mas não nutríamos ódio nenhum pelo rapaz, mesmo porque já vivíamos em São Paulo numa maloca na Mooca, e foi graças a Getúlio, dizia meu avô, que conseguimos uma casinha própria para morar. A família dela conseguiu também, na rua de cima. E as coincidências fizeram nossos corações se encontrarem.
Depois de estarmos bem estabelecidos numa casinha própria, eu me investi como pedreiro, ajudando meu pai. Ela, ajudava os pais também numa fábrica de sapatos. Construimos juntos uma imobiliária, mas no momento em que minha mãe caiu doente, vendemos sem pensar duas vezes todas as casas para mandá-la pra fora e cuidar de seu coração.
Minha mãe morreu. E ficamos com três casas só. Uma pra cada irmão e deu-se uma brigaiada danada na família. Ela sempre do meu lado, e agora eu preciso correr. Eu fui até o centro da cidade comprar laticínios e que luxo o meu, tem uma casa destas pertinho de onde a gente se ajeita, mas eu prefiro caminhar até o centro. Deixei ela sozinha, ela que nunca saiu um segundinho do meu lado. O problema é que eu fico sozinho também...
Ela estava ali, sentadinha na sua poltrona. Minha velha. O ouvido não é mais como era antigamente. Duas ditaduras. A primeira, me deixou manco, a segunda lhe deixou surda. Melhor que não escute, do que escutar mas não conseguir alcançar.

quinta-feira, 19 de março de 2009

CAP III - OLHOS GRANDES, PEIXE PEQUENO

(ESTAVA DEITADO NA CAMA E MEU CELULAR COMEÇOU A TOCAR, AÍ LEMBREI QUE TINHA QUE POSTAR O TEXTO DE HERMETO. MEU VELHO, DESCULPE, MAS NÃO DEU TEMPO PRA FAZER TUA ARTE NÃO. MAS TA AÍ, PALAVRAS FORMAM IMAGENS!)


Começou a dar tudo certo quando passei em um concurso para trabalhar num setor público de São Paulo. Eu gosto de manter tudo no sigilo, então vou dizer aqui que meu nome é Hermeto Coelho, só para ninguém caçar meus registros e conseguir me prejudicar, mas continuando, seria responsável pelo pagamento de funcionários. Exerci com grande presteza este cargo e devido a conquista de confiaça de meu chefe, assumi a chefia no departamento, em que estou hoje fazem três anos. Tudo bem, me informaram que eu serei afastado do cargo pois trai a confiança de meu chefe. Cargo de confiança, desconfiança, volto a cuidar da folha de pagamento amanhã.
Tudo ótimo, foi um confronto ideológico, acontece. Na realidade eu já venho cavando minha própria cova a um bom tempo, pois vinha reparando nas idas e vindas dos meus funcionários. Sempre fui sistemático e com a chefia, a coisa me subiu sabe?! Senti responsável por qualquer gateiro ou gatuna que sabotasse a rotina.

- Olha lá! Desgraçado saiu mais cedo de novo! Vocês estão vendo?

E ainda existia aquelas pessoas sorrateiras, peçonhentas, que consomem a energia de um ambiente com uma simples ligação e como um diabinho lhe tentava ao que você queria atuar. E aí lá ia eu, como uma panela de pressão, enchendo de informação, enchendo de informação e de repente: BUM!

Meu namorado me convidou para um teatro moderno na Paulista. Ele assistiu com uns amigos e disse que tem cenas de sexo explícito. É bom que eu me divirta, mas não conseguirei parar de pensar na minha nova rotina. Amanhã, às sete horas, voltarei a bater a folha de pagamento.

Ah, a desgraçada me substituirá. O capeta de minha consciência, junto com aquela víbora, e um punhadinho de ideologia de mercado. Vocês vejam bem, graças a consciência democrática, igual a todos, ferro e fogo, aqui se fez aqui se paga, Antigo Testamento Bíblico, e eu to na bosta.

Obrigado Vieirinha por expor meus pensamentos. Você é uma pessoa muito bacana. Ele prometeu fazer uma imagem legal misturando meu ofício e meu humor e ainda com algumas figuras do tipo, a pessoa desgraçada que me fez quase perder o emprego. Obrigado, de coração. Ele é um artista, este Vieirinha.

quarta-feira, 18 de março de 2009

CAPÍTULO II - A GRANDE ARTE DE AMAR

(ME DESCULPEM MAS NÃO CONSEGUI FAZER O POSTER DA PEÇA DE ANGÉLICA, UMA VEZ QUE MEUS BASEADOS ACABARAM. - Vieirinha)



Eu estava de mãos dadas com meu namorado quando ouvi um baita dum estrondo. De repente, uma gritaria e um brutucu do tamanho de uma montanha queria acertar a cabeça de um motorista maluco que vinha pela contramão e acertou o caminhão em cheio. Um amigo do brutucu tentou segurá-lo, mas ele não conseguiu e o rapaz que estava meio inconsciente no carro nem se deu conta da origem dos tapas que tomava. De repente umas pessoas curiosas começaram a separar o brutucu e ele se acalmou. Eu e meu namorado ajudamos o motorista maluco e eu percebi que ele sangrava um pouco na testa. Perguntei se era pelos tapas ou pela batida, ele disse que já não sabia de nada e falei se ele não queria ir à delegacia fazer uma ocorrência. Na realidade, ele disse que fugia um pouco de policiais e preferia deixar como estava. Assumiu o erro.
O carro de meu namorado estava próximo daquela rua, mas ele não ofereceu levar o homem ao hospital pois estávamos atrasados. Ele tinha trabalho e eu precisava estudar umas páginas da peça que entraria em cartaz no sábado. Resolvemos deixar assim, outros o ajudariam. Desejamos-lhe boa sorte e continuamos andando.
Já começávamos a ensaiar no palco que seria o espetáculo e cheguei atrasada como sempre. Sentei num puff vermelho, que era parte do cenário da peça e tirei meu jeans. Minha personagem era uma ninfeta que se apaixonaria pelo namorado da irmã. Interessante que nesta peça teria uma cena de sexo explícito que chocaria o público. Não tinha censura de idade, então as mães ficariam horrorizadas e os filhos impressionados em ver o que viam na internet mas nunca ao vivo. O difícil era concentrar para gozar no momento certo. Tudo isto exigia certo cuidado, certa concentração...
Ensaiei três horas. Minhas falas variavam entre frases filosóficas a cerca do que era o relacionamento no mundo moderno e gemidos de prazer pela habilidade sexual do namorado de minha irmã. O interessante é que a minha irmã nos assistia durante o ato e também tinha cenas reais de masturbação. Essas coisas chocariam o público. A intenção era justamente perceber se eles observariam o apelativo ou a obra como um todo. O sexo era um poema dentro da poética toda que era a obra. Bem, nosso diretor era um tanto maluco, podem ter certeza.
Sai do ensaio e fui jantar com o pessoal. Meu namorado me encontraria no bar depois do expediente dele. Nós nos conhecemos numa de minhas peças. O título da peça que ensaiávamos era A Grande Arte de Amar.
Ah, aquele rapaz do trânsito meu namorado acabou ficando com dó e ajudando ele a ir ao hospital. Por coincidência eles moram quase na mesma rua, no mesmo bairro. O nome dele é Vieirinha e ele tem um blog e prometeu colocar algumas coisas sobre a peça com uma chamada bem atraente e pornográfica. Assim as pessoas pensam que trata-se ou de uma obra pornográfica ou de um teatro maluco com idéias novas. Não conheço ninguém que tenha feito teatro com cenas pornográficas, mas acho que isto é inovador, lembrando que é uma coisa que todo mundo faz e a modernidade anda perdendo seus tabus ao falar disso publicamente. Heranças da idade média!
Meu nome é Angélica Lemos, sou atriz e tenho vinte e cinco anos.

terça-feira, 17 de março de 2009

CAPÍTULO I - CONHECENDO VIEIRINHA





Eu sei que eu to errado em ficar fumando maconha a tarde inteira, mas eu não tenho muito lá o que fazer... tinha uma casa do lado que tocava um samba chato, e de vez em quando pra eu não ficar escutando saia por aí, pelas ruas do meu bairro. Um dia me chamaram de canto e falaram, meu querido rapaz gostaria de um cigarro para acalmar tua alma? Eu disse não obrigado, era muito novo para fumar, mas depois de quinze oferecidas comprei algumas pelotinhas e levei pra casa. Minha mãe trabalha, meu pai trabalha, minha irmã trabalha, eu de vez em quando arrumo uns bicos, mas nada muito sério.
Não sou viciado, é que falar de maconha logo no início da um choque. É ilícito né?! Aí surgem os estereótipos, e vocês jamais vão tirá-lo da cabeça. Eu trabalho na noite, e aí surge outro estereótipo. Um dia eu tava indo trabalhar e aqui perto de casa tem uns travestis fazendo a vida e eu parei pra perguntar-lhes se eles conheciam uma entrada fácil para a Castelo, aí a vizinha ficou de olho e achou que eu estava combinando um programa. Bom, tudo bem, isso deve acontecer direto com eles, porque esses caras são sabidos demais. Eles conseguem orientar o ser mais perdido do mundo a pegar um bom atalho, e fora que são bons de papo, gente finíssima. Bem, eu preciso lhes dizer que escrevo por fluxo de consciência, assim é mais interessante, uma vez que eu não tenho muito tempo pra ficar revisando as coisas que faço. É, viu, vocês que me xingam de vagabundo não sabem como minha vida é corrida.
Ontem mesmo eu estava dirigindo em plena chuva com o vidro do carro aberto. Sabe como é, estava um calor desgraçado e mesmo com aquela tempestade, não dava pra ficar de vidro fechado sem ar condicionado. Eu tenho um chevete velho e ele tem um sonzinho bom. Gosto muito das músicas de Seu Jorge, embora acha que o Brasil pra música foi... quer dizer, ta indo, mas a gente começa a ver as pessoas envelhecendo e os novos só nessa de macaquear, de se importar. Eu sou a pessoa mais importada do mundo, se for pensar em ufanismo. Eu não sei o hino nacional, me confundo numas partes, mas também não dá pra dizer que os militares são as pessoas mais brasileiras do Brasil, certo? Eu conheço um que mistura Steinheger com fogo paulista, este sabe conciliar bem o rondó e o forró.
Eu estudei fotografia por um tempão. Participo de inúmeras oficinas literárias e gosto de cinema. Vez ou outra faço uns projetos de arquitetura e amo automação industrial. Ah, adoro ler sobre crítica literária e daria maravilhosas aulas de lingüística. Gosto de concertar computadores também e meu currículo é um tanto vazio. A cidade nos prega algumas peças de vez em quando, eu entrei na entradinha que o meu amigo me orientou mas tinha mudado a mão da rua e acertei um caminhão de feira.
Meu nome é Daniel Vieira, me chame de Vieirinha. Também toco violão, faço versos pra serem musicados. Eu escrevo num blog chamado Abanheem por que esta é a língua que as pessoas de hoje em dia falam... tô certo?


- Ricardo Celestino

SÃO PAULO DE ESTAÇÃO À ESTAÇÃO

Eu estava na quinta-feira passada com um grande amigo de universidade conversando sobre produções literárias e ele me deu uma boa idéia, já utilizada em muitos blogs, a respeito de posts e publicações.

``QUE TAL ESCREVER TODO DIA UM CAPÍTULO DE UMA HISTÓRIA, NO TEU BLOG?´´

É, eu nunca tinha pensado nisso, e aquela questão foi fermentando na minha cachola. Vamos lá, eu vou tentar ser religioso e postar pelo menos duas vezes por semana um capítulo de uma história que já me vem fermentando na cabeça algum tempo. O nome da coletânea de capítulos será São Paulo, de estação à estação, e a estrutura será a seguinte irei postar fotos de nossa cidade (mesmo por que se tiver além de mim que leia este abandonado blog eu duvido que seja de outra cidade) e a partir destas imagens criar uma situação, um drama.

Agora o que deve ser valorizadamente artístico aí não é a história em si, mas as fotos de Diego Garcia, meu fiel companheiro sumido que me doará sem saber algumas coisas de seu trabalho. Depois mostro pra ele o resultado.

Desejem-me sorte!

ps.: adoro o ofício de ser platéia de meus próprios textos, é um bom treino.

Ricardo Celestino

sexta-feira, 13 de março de 2009

ADONIRAN BARBOSA...

Deus Te Abençoe
Adoniran Barbosa
Composição: Indisponível

Vai meu filho
Deus te abençoe
Segue o teu trilho

É o que a minha mãe sempre diz
Todas as manhãs
Quando eu vou pra trabalhar
Eu saio de manhazinha
Volto a noitinha
No aconchego do meu lar

Eu trabalho de pedreiro
Ganho pouco dinheiro
Sou eu e a mulher
Faço todo o sacrifício
Mas minha mãe sempre diz
Tudo o que quiser

Falado "benção filho,
Deus te abençoe filho
Não vai esquecer a marmita, viu!"

quarta-feira, 11 de março de 2009

A POÉTICA BRILHANTE DE SÉRGIO FRUSONI

Pesquisando sobre sociolingüística e as influências do crioulo na língua portuguesa usada no Brasil descobri um interessante poeta de Caboverde, que escreveu seus poemas em crioulo, os traduzindo para o português usado em Portugal e foi objeto de estudo do pesquisador e crítico literário português Mesquitela Lima, e que me foi possível ter acesso a este material através de Simone Caputo Gomes da Universidade Federal Fluminense.

O poeta trabalha sua poética em torno de temas básicos à cultura de Caboverde, tais como a terra, a fome, o drama partir-ficar (chamado terra-longismo, que a meu ver é uma forma de exílio), sem deixar de lado um sentimentalismo, sensualismo, humor, auto-biografismo e a constatação da situação da mulher na sociedade crioula, que não o coloca como um poético panfletário-político.

Observem, leitores, alguns poemas de Sérgio Frusoni, com as análises de Simone Caputo Gomes.

No poema "Mnine d'Sanvicente", Frusoni alude a suas saídas de Cabo Verde, ao tema da emigração-regresso, tão cantado pela Literatura do Arquipélago:

E j'a m' bá e já m' bem;
já m' torná bá e torná bem;
e alí'm lí, de pê na tchôm,

sem um vintem, sem um tstôm,
tâ crê torná bá...
ma pa torná bem...

(Já fui e já regressei;
já tornei a ir e tornei a regressar;
aqui estou, de pés no chão,
sem um vintém, sem um tostão,
a querer ir...
e tornar a regressar...)

A técnica do retrato condensado atinge líricos momentos no "flash" da Pracinha e da Igreja, cartões postais do Mindelo:


Igreja Igreja
Cambra Câmara
Rua da Luz Rua da Luz
Camim d' cimter Caminho do cemitério

Dalí ond'ê que m' tâ Daqui onde estou
m' ti t' oióbe, nha Igrejinha: vejo-te, minha Igrejinha
semp caiadinha d' brónc sempre caiadinha de branco
por dentre e por fóra, por dentro e por fora,
semp tâ figurá sempre a fazer figura,
embora bidjinha! embora velhinha!


Os costumes da terra (como a culinária), as fontes de sobrevivência, a seca e a chuva, a fome, a pobreza, terão expressão nos poemas "Rebêra", "Dia de féria", "Pâ quês pardalim", "Lembróme", "Infancia" e "Calôte , fidje de pôbréza, praga de nôs terra". O Porto Grande e a chuva são focalizados em paralelo no primeiro texto, correlacionando a abundância da água e da lama, tão necessárias ao cultivo, especialmente do milho, à abundância de barcos, tão importante para a economia da ilha:


M' câ sabê de bô, Não sei de ti,
nem de fórça dêsse láma nem da força dessa lama
que bo ti tâ carregá pa mar. que carregas para o mar.
Sô m' sabê cma vapor Só sei que os vapores
já pitá na baía, já apitaram na baía
cma aligria d'ága já rebentá na ar. e que a alegria da água
[á rebentou no ar...]

O milho assado, o rabo de porco e o feijão malaguetado, a cachupa e o pãozinho de milho (midje assóde, rabim de tchuc, fejón malaguetóde, catchupa, pômzinha de midje) inscrevem-se em alguns poemas enquanto pratos típicos da cultura caboverdiana
Em contraste, o sofrimento das crianças por causa da fome é retratado no poema "Infancia", num resgate da memória que persiste no poema "Lembróme".

Lembróme bô perfil: Lembra-me o teu perfil:
nocênte (...) inocente (...)
Ma que já tá trazê, Mas que já trazia
sargide na pêle serzida na pele
dôr ma sufrimênte, a dor e o sofrimento,
sina de nôs pôve... sina do nosso povo...

Fôme cá prêsta! Fôme ê bjôm! A fome não presta! Fome é
[um horror!]

Ma ants fôme do qui pêste ma guérra! Mas antes fome do que
[peste na guerra!]

Fôme ta minguóne, ta incudjine, A fome mingua-nos,
[encolhe-nos]
ma quem ta morrê fête menine, mas quem morre feito
[criança]
ta torná nascê fête menine, volta a nascer feito
[criança]
de lá de barriga de terra! de lá da barriga da terra

No poema "Pâ quês pardalim" Frusoni focaliza a mulher que, depois de desmaiar de fome, preocupa-se com um saco onde levava restos de cachupa e tocos de pão. Interpelada (em português) por que não comeu o farnel, ela diz:

E...e côsa que m' tá levá... E...e o que é que eu levava...
quês...pardalim àqueles...àqueles pardaizi-
[nhos]
-Pardais?
-Sim...
Quês...quês...dôs fidjim...de meu... àqueles...àqueles...dois filhinhos...meus...

A mulher, retratada ora na sua situação de abandono, em virtude da emigração do marido, ora no trabalho, ora em situações humorísticas, ou em sua sensualidade ("marmél de bô pêite/ ta pedí dentada d'ôme" - os marmelos do teu peito/a pedir dentada de homem), constitui um tema constante na obra de Sérgio Frusoni.
No texto "Quand um palavra sô tâ dzê tude côsa" Frusoni ridiculariza a mulher que regressa de rápida viagem a Lisboa com hábitos e até pronúncia diferentes. Uma só palavra condensará a crítica do povo a esse tipo de personagem: PACIÊNCIA!

Um dia nh'Augusta infermêra,
desembarcá tâ bem d'Lisboa: (desembarcou, vinha de Lisboa)
luva, cartêra,
cabel caracolóde
cara pintóde
ta pscá confundi parcença. (procurando confundir a figura)

Um mudjêr q'tava ta passá,
pará tâ spial,
cabá el sucdí cabeçá el dzê:
_Nh' Augusta, nh' armôm, PACIENÇA!.. (ah!, Meu irmão,
PACIÊNCIA!...)

No poema-sketch (técnica recorrente em sua obra) "Pai d'Fidje", o poeta mostra a mulher que reza para que o marido viciado ganhe no jogo, para que seus filhos não passem fome e ela não apanhe:

Spiá pa fidje, quem? Ele? Adéh!
importal lá s'ês t'andá sfarrapóde,
ô sem cmê! Alá'l sentóde
na jôgue, êss ê que'l crê!...

Scompôl? Brigá ma êl? Cónta d' nada!
Remêde ê rezá, cmáde!
E pdí Nossiôr pa fazel ganhá,
pamóde s'êl perdê, êl tíntchóme d'pancada...

A situação quase permanente da mulher só, em virtude do abandono ou emigração do marido, ou do afastamento do filho que parte para trabalhar longe é constantemente referida em poemas como "Sirvice de criada ca tá dá têmpe pa nada" e "A volta":

Sim, êl há d'voltá. Sim, há-de voltar.
E cs'ê qu' m há dzê? E que lhe direi?
Cma m'speral? Que o esperei?
Cma m' sofrê?... Que sofri?

S'el ca creditá? E se ele não acreditar?
Cs' ê qu' m há fazê? Que hei-de fazer?
M' há mostral fidje, Mostro-lhe a criança?
ô m' ha fcá calóde? ou fico calada?

E s' êl bem el stranhá casa; E se ele vem e estranha a
[casa?]
esse nha magréza; esta minha magreza
esse portôm abêrte, este portão aberto,
ma esse lume pagóde?... e este lume apagado?...

E s'stude bem dá cêrte? E se tudo vier a dar certo?
S'el cabá d' entrá se acabar de entrar
êl corrê pa mim?... e correr para mim?
M' há pô tâ tchorá, Hei-de chorar,
ô m' há pô tâ rí?... ou hei-de rir?...

Este belíssimo texto dá a medida da dramaticidade da emigração em terras caboverdianas. Os poemas "Contratóde" (que fala da partida do contratado, escravo do século vinte, por força do regime colonial), "Navì ta bá, navì ta bêm" (Navio que vai, navio que vem), "Na terra strónhe" (Em terra estranha),"Despedida", "Chamada de mar", "Diante de mar de sanvicente", "Volta d'imigrante antigo" enquadram-se no ciclo do terra-longismo (partida/regresso, o querer partir e ter de ficar/e vice-versa), tão bem teorizado por Manuel Ferreira (FERREIRA 1972).
Por outro lado, o chamado da terra, a caboverdianidade, a anti-evasão expressa veementemente por Ovídio Martins em Língua Portuguesa: Não vou para Pasárgada! reverbera em outros textos como "Nha terra", "Cabvêrde", "Pa diante é qu'ê camim":

Ma lì qu' m'nascê Mas aqui é que nasci
lì qu' m' criá! aqui é que me criei!
Êsse mar, êsse cêu, ma êsse tchôm, Este mar, este céu, este
[chão]
Lì qu'm'ha morrê! Aqui é que hei-de morrer!

Idêa d'imbarcá Ideia de embarcar
nunca passóme pâ cabéça (...) nunca me passou pela cabeça
Antes fcá pa lì tâ gozá dêsse mar Antes ficar por cá a
[gozar deste mar]
ma dêsse cêu. e deste céu.

Conhecendo e amando Cabo Verde, é fácil entender o sentimento de Sérgio Frusoni.
NOTAS

1. Considero a tradução literária dos textos para o português como um corpus poético à parte.



Ricardo Celestino

quarta-feira, 4 de março de 2009

CARNAVAL E QUARESMA II

Do carnaval à quaresma,
Dia-a-dia, todo dia,
Até uma, duas, três, quatro, cinco
Vezes ao dia...

Os tambores rufam,
As fantasias brilham.
O ensaio na garagem,
Ouvidos nos sótãos,
Garagens e sótãos e depois
Avenida.

Do violão, rua
Da vida, rua
Da lua, rua
Da rua, ensaio, orvalho, frio, inverno, e depois
Verão, carnaval, festa.

Todo dia, dia-a-dia...

Consuma etapas,
Lufadas de efeitos especiais,
Imagens, paisagens,
Carnaval de alegorias.

E depois

Quaresma de ressacas,
Um bêbado equilibrando-se,
Uma cabeça com enxaqueca,
Um sem-vida exaltado,
A andança que te gera calos
Mas que se recuperam para a próxima passeata.

Carnaval e quaresma,
Roda vai e vem.

(trecho da peça Lis)

PASSAGEM RÁPIDA

Num único dia,

o tédio dos punks,
a revolta dos guerrilheiros,
a alegria dos sambistas,
o bobismo dos emos,
a safadeza dos prostituandos,
a grandeza dos policiais,
a autoridade dos ditadores,
a infantilidade dos desenhos,
a loucura de um louco,
a bebedeira de um bêbado,
o êxtase de um drogado,
o calor de um diabético,
a lucidez de um psicopata,
a mocidade de um idoso,
a velhice de um adolescente,
a castidade de um cafetão,
a promiscuidade de um católico,
a orgia homossexual,
a oferenda espiritual,
a grande fulga pelo anal,
a melhoria de vida a cada dia,
uma melodia preferida,
uma música que deteste,
um cachorro que te morda,
um gato que te arranhe,
uma pomba que lhe marque,
sorte dela que eu não sei voar.

Um sábado e um domingo esperado,
quem sabe vem um feriado?
uma partidinha de sinuca,
um joguinho de futebol,
um caminhar na esteira,
uma grande pança cheia,
um saco gordo, irrugado,
uma barriga flácida e caída,
um inferno e uma vergonha,
uma garota e a margarida,
minissaia e entorpecentes,
o presídio e os presos,
a mulher e o marido,
o matrimônio e o pecado,
o feliz e o individado,
o ladrão e o roubado,
minha vida e tua filha,
sua vida e seu namorado,
e iremos sair juntos neste sábado.

Um patrão e um empregado,
aproveitam juntos a hora do almoço.
Um sol e algumas nuvens,
um dia nublado,
guarda-chuva e meia molhada,
jantar sozinho, acompanhado
de mim mesmo... de mim mesmo...

a solidão, aprendizado,
o medo de morrer só,
a solidão, um mar,
o medo de se afogar,
a solidão um esporte,
o medo da contusão,
a solidão uma economia,
o medo da crise financeira mundial e da perda de todos os meus pertences.
a solidão, me acompanha,

estou só...

a vergonha de artistar,
e a vontade de poetar.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

UM HOMEM QUE FOI À BIQUEIRA ou HOMENAGEM A GABRIEL MONTEIRO

Vou à bica, à bica
Desta água eu irei beber

Vou à bica, à bica
Consumir-me ao meu próprio prazer

Desculpe meu amigo, mas eu não vou te acompanhar
Minha bica fica longe, ela está em outro lugar
Se tu bebes desta água, sinto não poder beber
O consumo de nós dois é o que nos faz sofrer

Se o trabalho suado te faz repudiar
Vá a bica neste horário, estarei em outro lugar
Sofrendo e bebendo doutras águas não de fruta
Espero te encontrar no final desta luta

Vou à bica, à bica
Desta água eu irei beber

Vou à bica, à bica
Consumir-me ao meu próprio prazer

E teu corpo magro foi por causa destes mares
Quando eu te encontrei, quase não cruzei olhares
Não senti vergonha, tu és meu companheiro
É que não te reconheci como o Gabriel Monteiro

Seus olhos de opacos só enxergava vazis,
Dizem que não pensa mais nas lutas do país,
E se indiferente isto tudo é pra você
é por que na bica você encontrou o seu prazer.

Vou à bica, à bica
Desta água eu irei beber

Vou à bica, à bica
Consumir-me ao meu próprio prazer

Ah em teus lábios, o destino de tua ida,
Em toda essa jornada, não vê o que fez da vida?
Teu corpo formoso, lutava feito um lutador
Agora de tão fraco, os braços refletem tua dor

Seus olhos cor de mar, foram convites às gurias
Mas no dia em o que os reencontrei, eram apenas gotas tão frias
Seu aperto de mão, que outrora fora forte
Naquele nosso encontro marrecou em curto trote

Vou à bica, à bica
Desta água eu irei beber

Vou à bica, à bica
Consumir-me ao meu próprio prazer

Não é que esteja errado, não posso te cobrar isto
É que despensas esforço,ao viver a próprio risco
Sei que continuas um grande homem forte
E espero não saber do momento de sua morte

Se nos encontramos, foi por puro acaso
Sonho em te encontrar um dia fora deste vaso
E se deste prazer, tu morreres de felicidade
Saiba que mesmo assim, és um amigo de verdade

Vou à bica, à bica
Desta água eu irei beber

Vou à bica, à bica
Consumir-me ao meu próprio prazer

- Ricardo Celestino

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

CAMINHANDO A MAR ABERTO ou A EUROPA QUE NÃO RELUZIU EM MEUS OLHOS...



O trem me deixou na estação central da cidade e como minha mala estava muito pesada resolvi sentar um pouco e esperar os arrepios de meus músculos se acalmarem. Sentia os calos de meus pés doerem, sempre ardendo simetricamente, pelo tênis barato que calçava. Logo que o descanso de meu corpo começou, banhava-me de dentro para fora e a camisa começou a me incomodar. Não dava pra ficar tanto tempo parado...
Voltei com as sacas nas costas e caminhei pela escada que me levou pra cima. Senti-me mergulhado num mar, faltando um pouco de oxigênio em minhas narinas que cheiravam um ar de massas e necessidades. Havia carnes e gritos naquela multidão embravecida. No papel que me deram dizia Rua Direita, 95, e como de costume procurei a igreja, já que o local, me situaram, Praça da Sé.
Haviam olhos grandes por todos os lados, e eu caminhava sobre olhos e desviava de olhos o tempo inteiro. Parecia que meu cheiro era de gente nova, e não os condeno por me olharem. Se numa cidade pequena um novo chega, a impressão é a mesma. Aqui vale o número... perguntei a um dos olhos onde eu poderia encontrar o senhor Emanuel Texeira Vigo e ela me respondeu com os olhos. Continuei andando mesmo para não deixar que meu estar se incomodasse mais. Estava um pouco perdido, a mar aberto.
Eu precisava coçar minhas costas, precisava deixar as malas no chão um pouco, mas meus sentidos me traíam. Naquele lugar eu conseguia cheirar pela boca, ouvir pelos olhos e enxergar pelo nariz. Degustar nem me veio a mente naquela hora de desencanto. De onde eu vinha, esta cidade era impecável, a Europa americana.
Avistei uma gigantesca catedral. Eles gostam de coisas grandes, percebe-se. E se fosse para depender dos olhos, que dependesse dos olhos de Deus. Resolvi que ali eu ficaria um pouquinho, faria uma reza para descansar e talvez uma benta para me refrescar. Eu havia feito viagem, ônibus, trem e metrô, e a hospitalidade ainda não servira meus calcanhares.
A igreja era como as de lá, só que com monumentos e arquiteturas muito mais detalhadas e maiores. A imaginação estava tudo lá. Pra que missa? Com um prédio daquele, a missa já ta feita como exposição e lugar era o que não faltava para eu poder me descansar. Deixei de lado a mala, por que na casa de Deus ninguém ofende ninguém, e sentei bem pertinho do senhor cruxificado. Fiquei ali quietinho, rezando baixinho, enquanto sentia um gostosinho me passar pelo corpo todo. O relaxamento veio com a fé, eu acreditava, e fui ver onde colocavam a benta.
Esse raio de sacola, clamaram, fica pro meio do chão e não nos deixam passar, e eu educadamente fui lá buscar a mala que ficou pelo caminho. O padre não gostou não e ainda profetizou-me uma desgraça, me entitulou um conceito e me encostou com grossura. Pelo menos deu para descansar.
Rua direita, lado direito, foi mais fácil com a ajuda do emissor de Deus. E eu achando que estava a alto mar, quando na verdade só presenciei a prainha. Caminhei por vontade, mas se não fosse não faria diferença. Corpanzis juntos de corpanzis, fui só prestando atenção na numeração. Número 95.
Meu cunhado ganhou uma bolada com um tal de Emanuel Teixeira Vigo, e ele montou para mim um comércio de arte cinematográfica com cópias feitas em sua própria casa. Os fornecedores eram bons e de outras regiões. Estava lá, com seu bigode impecável, regendo o mar. Ele me apresentaria o mundo europeu, meu irmão... meu irmão me apresentaria a verdadeira cidade de São Paulo.




HISTÓRIA DA PRÉ-HISTÓRIA

Hoje a arte é pré-histórica,
Brinca com bolinhas coloridas
Tem depressões preto e cinza,
Não gargalhada a vida
Com a natureza de um Noel.

Hoje a arte ta pra lá,
Despreparada pro que vai e vem,
Tem pressa de se cumprir
E tem orçamento para fechar,
Uma correria de rotina escriturária.

Hoje a arte atingiu uma montanha,
E tem uma carinha moderna e fofa.
Pintam ela da cor que bem entendem,
E fica linda se olhada e suspirada
Como um pacote de presente caro.

Nada mais declaro à arte,
Por que ela se sustenta a si só
Virou bacharelado e licenciatura
E tão dizendo que tem mensalidade cobrando alto
Pelo pressão de um bom Machado.


(trecho de LIS)

LIS – Eu não chorei pela morte do meu pai... eu chorei pela falta de companhia que meu pai me trouxe. O vazio que eu nunca tinha sentido. Eu chorei pela saudade, e não pelo ato de morte. Aliás, ninguém chora pelo ato de morte, todo mundo é egoísta, não acham? Pensam no sofrimento que terá ao saber que nunca mais verá a pessoa, e aí falam, ai coitadinho, ele morreu. Mas quem está sofrendo pela morte dele é você. Você é o coitadinho...

(Idéias para Lipstick Killer)

Conjunto de vasos que saem do coração e se ramificam sucessivamente distribuindo-se para todo o organismo. Do coração saem o tronco pulmonar (relaciona-se com a pequena circulação, ou seja leva sangue venoso para os pulmões através de sua ramificação, duas artérias pulmonares uma direita e outra esquerda) e a artéria aorta (carrega sangue arterial para todo o organismo através de suas ramificações).


Estrutura:
1- Túnica externa: é composta basicamente por tecido conjuntivo. Nesta túnica encontramos pequenos filetes nervosos e vasculares que são destinados à inervação e a irrigação das artérias. Encontrada nas grandes artérias somente.
2- Túnica média: é a camada intermediária composta por fibras musculares lisas e pequena quantidade de tecido conjuntivo elástico. Encontrada na maioria das artérias do organismo.
3- Túnica íntima: forra internamente e sem interrupções as artérias, inclusive capilares. São constituídas por células endoteliais.

Ramificações:
1- Ramos colaterais: surgem dos troncos principais em ângulo agudo, em ângulo reto ou em ângulo obtuso.
2- Ramos terminais: são os que irrigam com certa exclusividade um determinado território. São os ramos mais ditais.

Relação volumétrica: a soma da área dos lumes dos ramos distais é sempre maior que a área do vaso que lhe deu origem.

Anastomose: significa ligação entre artérias, veias e nervos os quais estabelecem uma comunicação entre si. A ligação entre duas artérias ocorre em ramos arteriais, nunca em troncos principais. Às vezes duas artérias de pequeno calibre se anastomosam para formar um vaso mais calibrosos. Freqüentemente a ligação se faz por longo percurso, por vasos finos, assegurando uma circulação colateral.

Relações:
1- Com as veias: a norma geral é que um artéria seja acompanhada por pelo menos uma veia, sendo chamadas veias satélites. Artérias de grosso calibre geralmente são acompanhadas por uma veia e artérias de média e pequeno calibre são seguidas em seu trajeto por duas veias.
2- Com os músculos: certos músculos servem como ponto de reparo às artérias que os acompanham, sendo chamados de músculos satélites, como por exemplo o músculo esternocleidomastóideo que acompanha a artéria carótida comum.
3- Com as articulações: as artérias sempre passam pela superfície flexora da articulação.


- Desaposentado Ricardo Celestino

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A VIDA PÚBLICA... SOCIEDADE

Dentre outras formas de se poder viver em sociedade,
Eu sou o que vivo eternamente algemado com meus deveres.

Não me considero enforcado nem subjugado pelo sistema,
Aproveito das primeiras calabresas da pizza parcelada,
Mas ainda sim, sufoca-me um pouco o laço,
A tribuna, os ofícios e os vocábulos.

Dentre outras formas de se poder viver em sociedade,
Eu sou o que vivo eternamente algemado com meus deveres.

Ricardo Celestino

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

À ÚNICA PESSOA QUE CONHEÇO QUE SABE AMAR...

AMOR SINCERO

Te enxergo sem capas, nua
Em um escuro tão determinado a se iluminar
Pouco a pouco iluminando
O que antes a nudez mostrada
Não mostrava em outros cantos.

A surpresa de um embate,
Talvez chamar, combate
O inesperado seja sempre o que se vêm.

Comigo o amor não é um problema
Embora seja sempre passageiro
As ânsias de se gozar no momento é que cicatrizam,
Mas as marcas ficam
E ficam pra ficar.

Vá, lute, escravize-se até algo fazer com que se mude.
O mundo te impede de não ser egoísta,
Mas o egoísmo é um mal necessário,
Não é defeito,
Qualidade,
De um amor sempre atualizado,
E da eterna juventude
Contrastando com as nudezas da mocidade.

Sinto que serei sempre um jovem apaixonado,
Pois Amor envelhecido não me vale,
Independe dos meus sonhos e de minhas buscas,
De toda e qualquer estabilidade.
Amar sim. Completamente.
Fingir, jamais.



RICARDO CELESTINO