terça-feira, 24 de março de 2009

CAP IV - MEDO DA MORTE

(ENCONTREI ESTA CARTA ESCRITA NAS COISAS DO MEU FINADO AVÔ. ELE MORREU EM 1999 DE UMA DOENÇA DEGENERATIVA. MINHA AVÓ MORREU DO CORAÇÃO, IGUAL A MÃE DO MEU AVÔ.)


Caminhava devagar mesmo tendo pressa, é que minhas pernas já não respondiam da forma que deveriam. Eu precisava chegar o mais rápido possível, o telefone tocava e ninguém atendia e ela era cardíaca, teve uma recaída a pouco tempo atrás. O desespero nessas horas toma conta de tal forma que nem me lembrei de minha deficiência vivida, de meus pés mancos e tortinhos... porém, eu andava devagar, muito devagar pela gravidade do que minha imaginação levava ao que tinha acontecido.
Passamos por tantas coisas juntos. Duas ditaduras, isso foi o suficiente para nos orgulharmos de vivermos até hoje sempre juntos. Formiguinhas que éramos, ainda tentávamos dar boas mordidas nos pés do homem gigante que era toda aquela estrutura complexa. Bom, ela se estende até hoje se formos reparar... e nos conhecemos no momento em que Getúlio Vargas subiu pela primeira vez. Era novíssimo, ela também, e mineiros. Ah! Mas não nutríamos ódio nenhum pelo rapaz, mesmo porque já vivíamos em São Paulo numa maloca na Mooca, e foi graças a Getúlio, dizia meu avô, que conseguimos uma casinha própria para morar. A família dela conseguiu também, na rua de cima. E as coincidências fizeram nossos corações se encontrarem.
Depois de estarmos bem estabelecidos numa casinha própria, eu me investi como pedreiro, ajudando meu pai. Ela, ajudava os pais também numa fábrica de sapatos. Construimos juntos uma imobiliária, mas no momento em que minha mãe caiu doente, vendemos sem pensar duas vezes todas as casas para mandá-la pra fora e cuidar de seu coração.
Minha mãe morreu. E ficamos com três casas só. Uma pra cada irmão e deu-se uma brigaiada danada na família. Ela sempre do meu lado, e agora eu preciso correr. Eu fui até o centro da cidade comprar laticínios e que luxo o meu, tem uma casa destas pertinho de onde a gente se ajeita, mas eu prefiro caminhar até o centro. Deixei ela sozinha, ela que nunca saiu um segundinho do meu lado. O problema é que eu fico sozinho também...
Ela estava ali, sentadinha na sua poltrona. Minha velha. O ouvido não é mais como era antigamente. Duas ditaduras. A primeira, me deixou manco, a segunda lhe deixou surda. Melhor que não escute, do que escutar mas não conseguir alcançar.

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