sexta-feira, 21 de junho de 2013

O OLHAR CARRANCUDO DE ROBERTO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS... UM ADENDO SOBRE A SAUDADE

Eu caminhava em direção ao metrô, destino à Avenida Paulista. Saí a mando de meu chefe, lá do jornal em que eu trabalho.

´´Não importa que isto não é uma coluna cultural! Você é jornalista! Todos estão na rua se manifestando! Vá! Vá acompanhar o manifesto e me traga furos! Furos de reportagem!´´

Assim fui, com a necessidade de manter-me empregado. Na minha cabeça, ouvia zunir durante todo o caminho do jornal até a Avenida Paulista:

´´Inferno de vida! Eu que sempre desejei escrever sobre literatura, arte e afins, tenho que me meter a correr de polícia, desviar de bombas de gás lacrimogêneo, correr o risco de ficar cego de um olho – como aconteceu com a moça de um jornal grande – só porque aquele otário não tem mais gente para mandar cobrir o local.´´

E o ofício começou já bem antes de chegar na manifestação. No metrô as pessoas, com caras pintadas, enroladas em bandeiras, gritando e cantando, rumavam para a manifestação. Uns, mais exaltados, batiam nas paredes do trem para fazer ainda mais barulho. Em noites de futebol, aquele gesto agredia as pessoas ali sentadas, mas naquela noite não. Elas acompanhavam os manifestantes com os olhos, sorriam, estavam felizes também.

Um homem, que eu jurava não participar de toda a movimentação, levantou-se e se uniu ao grupo. Ao grupo que gritava:

´´Conseguímos! O prefeito cedeu! O prefeito cedeu!´´

E o homem, participando do coro, ajudou:

´´Mais saúde! Pela saúde!´´

Um senhor, de lá do fundo do trem, esquecendo da necessidade de sua bengala, pulou de uma perna só até o grupo de manifestantes e também ajudou o coro:

´´Fora Dilma! Fora presidenta! Pelo fim do PEC 37!´´

E um casal de garotos, mobilizados pelo coro, ou vencidos pela falta de condições de manterem um diálogo entre si, resolveram também aderir aos gritos:

´´Fora Feliciano! Cure a sua viadagem!´´

E eu tomei nota de tudo que acontecia ali. Às vezes sério, às vezes sorrindo, percebi que as pessoas se uniam e desuniam nas defesas de suas causas.

A porta do metrô abriu na estação Liberdade. Nunca vi tanta gente entrando por aquela estação. O trem cabia um estádio inteiro de futebol. Ninguém se incomodava com a superlotação. Todos conseguiam um espaço e parece que o próprio espaço físico do trem se ampliava. Eu tomava nota de tudo que acontecia e os blocos de papeis que eu julgava, acabavam, se multiplicavam automaticamente em milhares de textos e anotações. Cada detalhe, cada grito, gritos repetidos, as pessoas em um furor de manifestações, criticavam até mesmo as práticas sexuais de seus vizinhos.

Entraram no trem dois pastores e uma puta. Eles se olhavam e caminhavam juntos, com a cautela nos olhos, mas com o respeito de deixar os preconceitos atópicos e imperceptíveis.

De repente, estacionados na Liberdade, vimos um comboio de manifestantes embandeirados. Bandeiras vermelhas brandiam o céu da área externa do metrô. A população que somavam dez mil, dentro daquele vagão, se emudeceu. Um mais exaltado atirou uma pedra em direção ao comboio e gritou:

´´Essa bandeira não! Some daqui, filho da puta!´´

As portas do vagão se fecharam e os manifestantes embandeirados tiveram de esperar o próximo trem para irem à manifestação. Dentro do vagão, todos, paulatinamente, começavam a voltar a ser o que eram. O velho agarrou-se em sua bengala, a puta cuspiu no pastor e o outro a endemoniou, o casal homossexual se emudeceu em seu canto e o homem que gritava por mais saúde continuou o grito, murmurado no canto da boca.

Meus papeis acabaram e só consegui dar o título à matéria que escrevi:


``Manifestação ou micareta, reivindicação ou festa: distribuição de convites no metrô Liberdade.´´




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