A Avenida Paulista foi um dia um gigantesco matagal. Em
1891 Joaquim Eugenio Lima, um uruguaio, decidiu fazer dela uma grande paisagem
à moda européia. Já que não tinha mais índio para enfeitar, que enfeitemos
nossa paisagem! A burguesia invadiu a avenida promovendo a construção de
grandes casarões, que conviveram com grandes movimentações urbanas como
corridas de automóveis e passeatas.
O Trianon foi esbofeteado pelo modernismo. E o Trianon
fica na Avenida Paulista.
Com o tempo tiveram de alargar a avenida. As corridas de
automóveis se engarrafaram. Sabe como é,
muito corredor para pouco espaço
acabou tornando a emoção um tédio rotineiro.
E sabe o que aconteceu? Os terrenos do parque Villon e
Bellvedere Trianon se estenderam e viraram uma gigantesca rua chamada Augusta.
Lá vive a grande sociedade paulistana. Lá há bailes, homenagens políticas,
carnaval e até manifestos artísticos. O problema é que nada do que eles falam tem
muito peso no mundo. Villon e Bellvedere acabaram virando uma gigantesca massa
monga de São Paulo. Parabéns Andrades.
Nas quartas a cultura sai de folga. É o dia do cinema,
no jornal. Nós saímos para assistir os filmes em cartaz para comentar depois.
Eu fico com o espaço de filmes alternativos. Existem
filmes muito bons, mas a maioria dá preguiça de assistir.
- Estive cara a cara com a Saudade, por que não
perguntei coisas mais interessantes? Sei lá, rever pessoas ao invés de
questionar sobre minhas dores de consciência...
(Estranhei os
olhos espantados que ouviam meus falatórios comigo mesmo)
- Eu sou um incrível idiota... mas olha só também! O que
se tornou o Dandi? Alternativos imbecis que caçoam as academias... e as
academias? Pra que? Sei lá... essas coisas parecem importar muito pra mim.
- Essa gente toda escolhe filme pelo nome. Vamos
assistir um filme que não esteja passando no cinema. Sejamos diferentes.
Sejamos iguais na diferença.
- Dessculpe se assustei vocês, babacas!
O filme até que era interessante. Uma cidade inteira
perde a visão e eles têm que se acostumar com isso. Não era um filme novo. Ele
passara no cinema anos atrás. Aí me pergunto: quantas pessoas realmente
enxergam hoje em dia?
Sinto uma vontade estranha em ligar para Natasha. Aquele
papo com a Saudade não me fez bem... eu passei o filme inteiro lembrando de
como minha vida era feliz e como agora ela é tão deprimente.
Bom, pelo menos eu não vivo de aluguel. Pelo menos meu
nome não está sujo e todas as minhas contas estão pagas. É, eu realmente sou
uma máquina de angústias.
Decidi tomar um café próximo ao cinema. Na Paulista tem
lugares interessantíssimos com dandis antiquados que tornaram-se verdadeiros
parnasos. É estranho como o mundo dá voltas.
Minha cabeça dá voltas. Enquanto o líquido preto e
quente me furava a garganta, me veio a imagem daquela menina... Saudade. Ela se
parecia tanto com Natasha... ela se parecia com tanta gente. Cada vez que eu
lembrava dela, ela me parecia alguém diferente.
Ainda me lembro do número de Natasha... repetia como um
mantra na minha cabeça, uma vez por dia... ela tinha uma tatuagem... como explicara aquilo para seu novo amor? Um
simples impulso? Um último tchau para a adolescência? Ela, hoje tão
responsável... ainda continuava sonhadora? Estaria feliz?
É... todo esse lugar me cobra demais. Ainda me resta um
pouco do dia de folga. Pularei num ônibus não muito lotado e verei onde dará.
Não poderia ir para um lugar pior...
O sol quente me lembra um dia de família. Um dia com
pais brincando com seus filhos. O cachorro agarrando o squeeze do casal
apaixonado. O skatista fazendo suas manobras para todos olharem, espantados.
O Ipiranga é a linha intermediária do velho e do novo,
do início da ruptura. Dos pseudo-gritos de liberdade dados por um
pseudo-representante do povo num pseudo-país livre. Pseudos... somos todos
pseudos. Prazer, pseudo-Roberto, um pseudo-jornalista que trabalha num
pseudo-jornal, num pseudo-cargo de pseudo-redator de uma pseudo-cultura.
Aqui sinto ares de Saudade. Ando por dez minutos, me
afastando completamente do ambiente familiar do parque. Subindo para cima do
edifício do museu, ainda na área externa, existe alguns banquinhos que não
ficam ninguém. Alguns casais apaixonados decidem testar suas primeiras malícias
ali. Encontro dois jovens embriagados sentados com uma garota. Ao me verem,
imediatamente levantam-se e vão embora. Ela me olha, sorri. Me apresento.
- Muito prazer. Me chamo Roberto.
- Prazer. Me chamo Esperança.
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