domingo, 16 de junho de 2013

05 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

``Faz tempo que ninguém me pergunta nada...``

``Enquanto as páginas gritam palavras, meu mundo não grita nada!``

``A falência de uma nação está na dificuldade em usar a língua.``

Tudo parece criado, feito...

A cesta da minha sala já foi esvaziada quatro vezes. Preciso escrever sobre a cegueira e justificar meu passeio de quarta-feira. Já é quinta a tarde e nada. O editor já acostumou com meus atrasos. Todos já se acostumaram comigo... eu já me acostumei com todo mundo.

Sabe, escrevo sobre Hollywood como escrevo sobre minhas meias... e eu digo, não há nada que escrever sobre minhas meias.

Meia página é tudo que consigo. Foram dez folhas impressas, sete com frases que me vieram na cabeça e achei interessante guardar.

Minha sala é informatizada e de brinde ganhou operadores robôs: sorrie, trabalhe, se excite, desligue-me e vá almoçar.

Sinto falta de um papo com ela...

No fim do dia meu corpo é uma geléia ainda por se formar. A sorte é que minha casa é próxima do ponto de ônibus e perto da praça que a encontrei.

Sento no mesmo lugar.

- Oi? Você está aí?

Sinto um cheiro de perfume doce do meu lado. Viro a cabeça lentamente e vejo um pom-pom roxo servindo de cabelos na cabeça de uma senhora.

- Ahn... desculpe senhora...

- Louco!

Ela não viria...

Pelo menos não esqueceria meus cigarros com ninguém.


Levanto e continuo procurando a Saudade. Com tanta gente viva, fui me apaixonar por uma instância de solidão. Ela tinha uma beleza ímpar. Conseguia me trazer a lembrança de coisas boas.
Eu queria revê-la para falar das coisas legais. Minha vida não foi apenas lamentações. Eu tinha amigos. Eu tinha histórias de boteco. Eu gostava de ler livros e cantar músicas em língua estrangeira.

Parece que o tempo passado se potencializa no meu tempo presente. Algumas semanas atrás fazem parte da minha história com o pesar de uma caravela saindo de Portugal. Sou o velho do Restelo? Será que eu sou aquele que traz o mau agouro para o fluxo natural da vida?

As Grandes Navegações eram o fluxo natural da vida portuguesa? Será que precisamos ser o que somos? Eu fico me projetando para um futuro que a Saudade saberia muito bem me explicar.

Como faz para revê-la? Preciso gritar cinco vezes? Preciso achar um talismã sagrado? Tenho que sacrificar uma virgem? Queria muito saber. Essa resposta eu encontro...

De baixo do meu nariz! Enquanto eu andava pela rua de minha casa, com a fome de um almoço passado, consegui entender a dica da Esperança, lá no Museu do Ipiranga.

- Senhor, eu quero essa coxinha.

- Qual? Essa?

- Senhor, a da esquerda, a menor.

- Olhe, essa aqui tá muito mais bonita e é maior...

- Inferno! Eu quero aquela! Eu preciso daquela coxinha!

- Que diabos! Toma essa coxinha! Demônio, são todas iguais!











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