Uma despedida. Como prepara-se para uma despedida repentina? Como organizar-se, objetiva e emocionalmente, para um adeus? Como despedir-se de alguém ou algo sem deixar para trás o que não foi? Como recuperar, na despedida, o não feito? Como compreender que somos carne, osso e incoerências? Como não valer-se da lágrima para justificar alguma ausência? E como despedir-se? Como ilustrar bem feito o adeus que merece, de direito, o despedido? E se esse adeus, repentino e rápido, dilacerador, mesmo quando aguardado, não dura os dias, suficientes para um bom planejamento? O beijo, o abraço, o corpo debruçado sobre o corpo despedido, são suficientes para um adeus compreensível? Qual o segredo da boa despedida? Basta dizer, adeus, te amo, queria que não fosse, poderia ter sido diferente, a culpa foi minha, a culpa foi tua? O culpado, afinal, é a gente? Se para despedir, assim repentinamente, eu tenho tanto dolo e tanta pena, pergunto pra que a vida? Será ela, o ensaiar da despedida? E se a vida é assim, projeção do que é fim, o que fazemos dela, o que fazemos, enfim? Será a vida, preparativo da despedida? A sorte de escolher as estratégias certas para um adeus perfeito? E a ausência de vida? Será que existe a presença, ainda infinda, do presente sorriso de vida? Pedir ombro, quando não se tem mais ombro, é saber despedir-se, enfim, da vida?
segunda-feira, 22 de julho de 2013
domingo, 14 de julho de 2013
09 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE
Brand entrou na frente, pela porta principal. Quando abriu,
uma cortina de fumaça me cegou e só consiguia escutar homens repetindo versos
em um idioma desconhecido. Reconheci, pouco a pouco, que o que eles falavam ia tomando
a forma da língua portuguesa e os versos se repetiam, como um mantra ou uma
oração e eu passei a ouvi-los tentando decorá-los.
Sentimentos em mim do asperamente
dos homens das primeiras eras...
As primaveras do sarcasmo
intermitentemente no meu coração arlequinal...
Intermitentemente...
Outras vezes é um doente, um frio
na minha alma doente como um longo som redondo...
Cantabona! Cantabona!
Dlorom...
Sou um tupi tangendo um alaúde!
Eu olhei para Brand e ele me olhou, carrancudo:
- O trovador, de Mário de Andrade.
Sabia já ter ouvido aqueles versos em algum lugar. Mas
soavam diferentes. Eram estridentes no ouvido e estouravam em meu cérebro.
Senti meus ouvidos sangrarem e, ao passar a mão próximo de minhas orelhas, meus
dedos estavam úmidos de sangue. O som daquele idioma ferira meus tímpanos pela
falta de costume em apreciar bons poemas?
Sou um tupi tangendo um alaúde
E eu não conseguia entender lógica naquilo tudo.
Conforme a fumaça diminuia, fui percebendo que a sala de estar estava enfeitada
com inúmeros quadros de pinturas históricas, algumas esculturas e livros
abertos em exposição. As pessoas se reuniam no centro e nas bordas ficavam os
materiais de exposição. Percebi que eram obras de datas distintas, todas
misturadas, tendo um Picasso ao lado de um Da Vinci. Contudo, existia uma
simetria, ou lógica na organização das obras que eu não conseguia identificar.
Sou um tupi tangendo um alaúde
Fiquei durante alguns segundos hipnotizado com a
quantidade de esculturas e quadros que enfeitavam a sala. A arquitetura da sala
também era curiosa, pois parecia gótico-medieval, com o pé direito alto que oprimia
o homem o tratando como uma mera formiga dentro de um arranhacéu maior do que o ser humano. Divinamente superior a todos que
ali estavam. A própria casa nos engolia com seu pé direito enorme. Sentia-me
chutado. Em meio às pessoas que repetiam o mantra, surge um homem negro, de
bermuda vermelha, sem uma das pernas, sorrindo em minha direção. Pensei em
saudá-lo saci, mas lembrei de minha conversa com Brand e sorri reciprocamente.
- Olá...
- Brand. Roberto. Esperávamos vocês.
Brand o saudou e deixou-me para trás, andando em direção
às pessoas da sala.
- Ele é sempre tão...
- Você o chamou de Leprechaun?
- Como não chamar?
Sorrimos.
- Desculpe ir direto ao ponto, mas quem são vocês?
- Nós? Somos parte de sua história. Também somos
caçadores da saudade. Todos temos um motivo para sauda-la. Eu, no caso, sinto
falta de minha floresta, meu cachimbo, meu gorro vermelho e minha juventude.
Sou simplesmente um saci urbano.
- Eu... Fiquei com medo de chamá-lo saci, depois de
conhecer Brand.
- Sei como é. O Brand cumpriu seu papel. Bem, ele é o
guardião de um tesouro. Quando alguém aprisiona Brand, ele precisa lhe conceder
um tesouro. Lhe apresentou para nós, o tesouro intelectual de toda essa região.
- Todo tesouro intelectual está nessa sala?
- Não. Jamais! Nós somos a base para que você entenda o
tesouro intelectual de toda essa região.
- Certo.
- Mas você não veio aqui a trabalho.
- Não. Eu busco, na verdade, achar um caminho de
felicidade e parece que a Saudade tinha a resposta e eu desperdicei a chance de
consegui-la. Queria encontrá-la novamente. Conversar, anotar todas as suas
palavras...
- Você é jornalista. Porque não inventa sua felicidade?
- Não sei. As coisas não são tão simples assim. Eu acho
que necessito de algo real dessa vez.
- Entendo. Você acredita que o real existe?
- Oras.. É cla... Não sei.
- Ao invés de me chamar de saci, me chame de Matinta.
Venha, vou lhe apresentar ao meu amigo Curupira. Ele vai te apresentar a casa e
te guiar para seja lá onde for.
domingo, 7 de julho de 2013
08 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE
O nome do Leprechaun era Brand. Tinha uma bebida com
esse nome, mas eu nunca tomei. Ele não gostava do batismo que eu lhe dera,
quando sairamos do PUB. O chamei duas vezes de leprechaun, amigo anão,
gnominho, e ele fora se emudecendo, ficando cada vez mais monossilábico até me
dirigir um silvo de ódio acumulado:
- Meu nome é Brand! Presta atenção! Só vou falar uma
vez! Meu nome não é leprechaun, não é Tumores, não é Duendes, não é Gnomos, não é leprechauns, nada disso! Você
acredita mesmo que alguém se chama Amigo Anão? Essas coisas são rótulos que
classificam minha espécie. Eu sou Brand. Brand, o irlandês.
- Desculpe. Eu pensei que...
- Convenhamos que você não é lá muito bom com
pensamento.
- E... Espera um poquinho, o irlandês não é uma
classificação? Então, eu posso te chamar de Brand, o gnomo?
- Tente repetir isto e eu extraio todos os dentes que
você tem na boca a sapatadas. Resto de nada!
Dirigi cerca de duas horas com Brand me injuriando a
respeito de como chamar as pessoas e como sua espécie era reduzida a simples
classificações. Insisti que aquilo era normal. Era a primeira impressão que se
tinha de um povo, de uma cultura. Expliquei-lhe que como jornalista, nossa
função era especular pelo estereótipo, para depois formar um conceito. Era
olhar para o todo, entendê-lo a primeira vista e depois compreender as partes.
Se tivéssemos tempo para isso, claro, mas isso eu não revelei a ele.
Era mais comum que nunca desse tempo para nos
aprofundarmos o suficiente em algum caso ou tema. Eu fui descobrir The Killers
muito tempo depois de falar bem de dois álbuns lançados. Achei bom, não achei
MUITO BOM, como minha coluna o classificava, mas assim era a vida. Somos
metamorfoseados pela pressa do ganho capital, que reflete até nas nossas
escolhas culturais. Muita gente não assiste filme indiano, porque correr o
risco de passar nove horas em frente a uma televisão é correr o risco de perder
nove horas de vida. Ninguém tem tempo a perder, embora a vida dessas pessoas
seja uma grande perda de tempo para mim. Eu gosto muito de filme indiano.
- O motivo de minha espécie ser reduzida a gnominhos de
chapeus verdes, fazendo mágicas e milagres por ai, são seus malditos jornais!
E ele tinha muita razão, mas não eram todos os
jornalistas que tinham essa postura de estereotipar as pessoas.
- Cita-me um que comprove essa sua tese.
Eu pensei muito e preferi ficar quieto. Tinha a desculpa
da massificação da notícia. Éramos obrigados a falar de muita coisa, muito
rápido. O que ele queria, afinal? Aquele Leprechaun idiota tinha que fazer por
ele. Sempre ofuscado em contos infantis, jamais lhe dariam o crédito desejado.
- Então, agora a culpa é nossa? Camarada, eu nunca vi
uma fadinha na minha frente. Sabe como somos conhecidos, na boca do povo?
- Não.
- Sapateiro das fadas. Isso mesmo! Sapateiro das fadas.
Você já viu alguma porra de fada usar sapatos?
- Não.
- E aí, você acha justo? Esse diabo de estereótipo
surgiu graças àquele condenado do Victorio XIII, que ficou com dó de um
escritor bêbado e vagabundo e lhe soprou essas histórias no ouvido. Ninguém
nunca se deu o trabalho de ver se estas histórias eram verdadeiras. Acreditaram
e reproduziram! Graças a vocês!
- Perae! Não existia jornalista nessa época!
- Mas existiam esses malditos poetas. Malditos poetas
apaixonados!
- O que era a paixão naquela época?
- Era você torrar todas as suas esperanças na porcaria
de um ideal. Não há um ser, que não seja o humano, que não se sensibiliza com a
causa de um maluco apaixonado. Apaixonados, normalmente, perdem tudo até chegar
no nada!
- Você conheceu muitas pessoas apaixonadas?
- Muitas. Elas são os seres mais insuportáveis desse
mundo!
Chegamos numa casa assobradada e eu não fazia a menor
ideia de onde estava. Sabia ser São Paulo, pois só percorremos bairros. Ele
acionou o portão automático que deu acesso a uma garagem. Lá dentro, cerca de
dez carros e uma vaga livre onde estacionei o meu.
sexta-feira, 5 de julho de 2013
A INFÂNCIA UTÓPICA.... A INFÂNCIA DISTÓPICA... A INFÂNCIA RETORCIDA DE AIRTON SOUZA!!!
E se foi à infância, diz o poeta. A se afastar de mim, complementa. Mas ficaram o olhar distante e
saudoso de todas as consequências e marcas por ela deixada. Ficaram a utopia e a
distopia de uma fase da vida. Utopia, pois inevitavelmente lembramos das coisas
boas de nosso passado, daquilo que era e não será mais. Lembramos até das
tristezas com a positividade do amadurecimento, com a frivolidade do já saber o que é que deu. Festejamos os sucessos
e buscamos encontrar lógica no bem que temos, com o bem que colhemos, embora
sejam analogias muito mais metafísicas, talvez hermenêuticas, do que
científicas.
E a distopia da infância merece
um parágrafo próprio. Porque junto do pensamento positivo e utópico da infância
que era e já foi, sabemos, no fundo, que a infância quando não vinda é uma
agressão aos padrões camonianos. A infância, quando mal vinda, é um mar de
antíteses, é o distanciamento do ideal perfeito que choca por ser real e
possível. A infância, quando mal vivida, torna-se atópica pela violência de sua
expressão. A infância, que existe, não é assumida no mundo como uma
má-infância, mas como um pulo prematuro para a fase adulta. Ocultamos a criança
mal-vivida. Ocultamos a criança mal-nascida. A preconcebemos adulta no ventre
do pai barroco. No ventre do pai anti-renascentista, anti-classicista, que sem
opções, agarra a opção que tem.
A criança que trabalha, cuida da
casa, busca opções para sua sobrevivência devido à falta de assistência social,
não deixa de ser criança, não deixa de pensar e agir como criança. A criança
que corre e age como adulto, que se define adulto por cargo imposto, quando
cresce, porque essa criança também cresce, não deixa de ser utópica, sonhar, buscar
melhorias nas escolhas que tem disponível para si. E falemos dos sonhos, porque
ser criança é sonhar... e foi a partir dessa antítese, infância utópica e
infância distópica, que consegui aproveitar cada verso das poesias de Airton
Souza, em Infância Retorcida. Muito
mais que um livro íntimo e pessoal, a poesia cresce nas releituras de seu texto
e da nossa vida e da vida dos nossos outros.
E se foi à infância
a
se afastar de mim
sem olhar minha face
em fases, pedaços.
Rumou quebrando-me, retalhando
Memórias que ficaram,
Fincaram, na (re) invenção
De cheiros que não a deixa morrer.
AIRTON SOUZA publicou os seguintes livros: Incultações
noturnas (2009), O cair das horas (2011), Habitação provisória (2012) e rua
displicente (2012). Atualmente é professor na Escola Municipal Irmã Theodora,
localizada no bairro Liberdade, em Marabá e Membro Perpétuo da ALSSP – Academia
de Letras do Sul e Sudeste Parense, com sede em Marabá, sendo eleito por
unanimidade para ocupar a cadeira nº 15, tendo como patrono o poeta paraense
Max Martins. Pertence ainda a ALG – Academia de Letras de Goiás, como Acadêmico
Correspondente – AlaF – Academia de Letras e Artes de Fortaleza, como Acadêmico
Correspondente e Membro da organização chilena Poetas Del Mundo. O autor é
também membro do CNPC – Conselho Nacional de Políticas Públicas Culturais, para
o Livro, Leitura e Literatura, do MINC – Mininstério da Cultura.
domingo, 30 de junho de 2013
07 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE
O Tatuapé. A Esperança me recomendou o Tatuapé para tentar me reencontrar comigo mesmo em minha adolescência e, quem sabe assim, conseguir encarar melhor o presente.
Entrei em um PUB irlandês com bandeirolas verdes e laranjas decorando o ambiente interno escuro e rústico. Era festa e de comemoração ao Saint Patrick. As melhores recordações que eu tinha de minha adolescência eram nas comemorações de Saint Patrick. O local se transformava de um lugar triste, vazio e intimista para uma grande festa alegre com pessoas bêbadas e simpáticas querendo testar os limites de elegância, vaidade e sexualidade em uma única noite.
O bar estava lotado. Enquanto não havia um lugar para sentar, pedi uma caneca de cerveja verde e fiquei no balcão. Mal chegara minha bebida e um casal se movimentava para pagar a conta.
Encontrei um sofá livre.
Assim que eles saíram, me acomodei. Por coincidência, era o lugar que sempre ficava em minha adolescência. Contudo, o PUB se sofisticara. No porta-guardanapos havia um botão vermelho que imaginei, chamava o garçon. O garçon não era mais apenas o dono do PUB. O garçon se multiplicara em muitas pessoas uniformizadas que serviam muitas mesas e não tinha mais tempo para lhe servir o espírito. Para um cara como eu, ir ao bar não era apenas uma necessidade alcoolica, mas também afetuosa. O afeto, muitas vezes era correspondido pela companhia do dono do bar. Uma figura que passava a ser quase folclórica no Tatuapé.
Apertei o botão e surgiu ao meu lado um homem minúsculo, muito parecido com um leprechaun irlandês. Eu não me assustei pelo milagre da aparição, mas pela falta de aviso. Sorri. Em sua mão, ao invés de uma caneca de cerveja, ele segurava um tênis all stars rasgado. Olhou-me, lhe ofereci minha bebida a ele. Ele sorriu e aceitou. Pedi outra que veio muito rápido.
Por alguns minutos não conversamos. Ele parecia muito concentrado em apreciar-me. Pouco sorria. Era um tipinho engraçado se fosse simpático, mas com aquele olhar carrancudo, vestido naquelas roupas fora de época, mais assustava do que alegrava.
Depois de alguns minutos, decidi quebrar o gelo.
Olá. Você é...
Tumores, Duendes, Gnomos, eu tenho muitos nomes. Você é... – a resposta era fria, tão fria que não combinava nada com o estereótipo que ele carregava.
Eu sou... eu sou o Roberto. Sou jornalista e...
Tudo bem. Tudo bem. Eu sei quem você é. Olha aqui, não sei se percebeu, mas estou um pouco ocupado. Então, ande logo e diga-me, está a procura do que?
Bem... na verdade, eu acho que houve um mal entendido. Sinceramente, eu não tinha a menor ideia de que você iria aparecer aqui.
Como assim? Você está de brincadeira com a minha cara? Você acha que eu não tenho o que fazer, não?! Ora essas... mal entendido... mal entendido... se eu tivesse um pouco mais de altura eu te mostrava o mal entendido fazendo você engolir esse maldito sapato!
Isto não é um sapato! É um all star!
E o que você entende de calçados? Não sabe nem direcionar por onde anda.
É. Você parece me conhecer bem.
Eu não faço a menor ideia de quem é você. Olha aqui, Roberto... é Roberto seu nome? Eu sou tido como o guardião dos mais valiosos tesouros do mundo. Você faz o favor, diga-me algo que queira, eu lhe revelo onde está e a gente acaba logo com isso. Pode ser?
Tudo bem. Eu estava procurando a Saudade. Você sabe onde eu posso encontra-la?
Por alguns instantes, o leprechaun pareceu mudar o seu humor de ranzinza para um ser cabisbaixo e meditabundo.
Eu... bem... esse tesouro eu não posso te ofertar.
Eu já imaginava.
Mas, se você a procura, você pode me ajudar.
Eu? Como?
A Saudade me foi roubada. Eu estou há algum tempo atrás dela e já tenho algumas pistas. Você é um cara grande e robusto, pode me ajudar a encontra-la.
Eu... tudo bem. Vamos lá.
Terminamos nossa cerveja e na hora de pagar a conta o leprechaun pediu que eu lhe pagasse a dele, pois estava passando por uma fase ruim na sapataria. Paguei e saímos do PUB.
terça-feira, 25 de junho de 2013
DA NECESSIDADE HUMANA DE MOVER-SE, COMOVER-SE, EMOCIONAR-SE
É interessante como a carga massiva de trabalho nos impede de perceber e sentir as belezas da leitura de um poema. Eu falo do poema que se apresenta lírico, que divulga um sentimento no tecido cotidiano de um poeta desconhecido, distante, que o leitor trabalha em advinhá-lo o tempo todo, saqueá-lo espiritualmente e senti-lo, quase como sendo empírico.
A vida moderna massifica até nossa leitura e a capacidade humana de se emocionar. A emoção na leitura poética é muito importante. Digo e repito, é a coisa mais importante. Se você ler a Poética de Vinicius de Moraes com um olhar viciado, são somente palavras de um velhote que choraminga. Mas se você deposita naquela leitura a crença de mover-se em conjunto com o poeta, se você necessita de uma fulga de seu estado de conforto, a poesia acontece. O lirismo ferve dentro de você.
Então temos a necessidade cotidiana de muitas coisas. Então temos a necessidade humana de nos decepcionar, nos entediar, nos enraivecer, nos entristecer e nos apaixonar. Temos também a necessidade de sentir saudades. De sentir aquela saudade do que se foi, do que não volta - e você sabe que não volta -, do que nunca existiu - e você fantasia a existência. Surge a necessidade do lirismo. A necessidade da poesia preencher um espaço paratópico em sua vida. A poesia está em tudo e não está em nada ao mesmo tempo.
E invejo os versos de Vinicius, colocando-os como meus, para encerrar essa necessidade de emocionar-se intensa e subjetivamente, nesta terça-feira chuvosa:
Poética I
De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.
A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.
Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem
Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
- Meu tempo é quando.
- Vinicius de Moraes
Poética II
Com as lágrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.
E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.
Não sei bem se é casa
Se é torre ou se é templo:
(Um templo sem Deus.)
Mas é grande e clara
Pertence ao seu tempo
- Entrai, irmãos meus!
- Vinicius de Moraes
Sinto falta de você. Você que nunca existiu.
- Ricardo Celestino
domingo, 23 de junho de 2013
06 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE
A Mooca foi um dia um apêndice da Itália jogada na
cidade de São Paulo. Quem me dera ainda fosse assim...
Dentro da coxinha encontrei um recado que potencializou
minhas esperanças em encontra-la novamente.
Você está em todo lugar. É estranho...
Eu piso num bar e pareço observar um encontro de
juventinos revoltados torcendo pelo seu time fracassado. Todos vão
envelhecendo, vão envelhecendo... e morrem ali no bar. Viram esqueletos
vestindo grená.
Sento numa mesa próxima ao rei Pelé. O bar tinha vários
jogadores estampados, mas o Pelé sempre fora o meu preferido.
Diziam que aquele bairro era especial nas pizzas, e o
bar o melhor nas porções. Pedi um chop e uma porção de bolinhos.
Era sábado. Todos os jornalistas trabalhavam, mas o
departamento de cultura tinha folga. Era fim de semana para nós.
Um homem caminha em direção a minha mesa.
Boa tarde. Posso sentar com você?
Claro. Você é...
Quem esperava...
Humm...
Então, frio né? – acende um cigarro.
Um pouco...
Tinha épocas em
que chovia fino, uma garoa. Era o apelido da cidade. Os gritos não secavam. Mas
o que corria pelas sarjetas eram mares diferentes. Um sangue grosso da oposição.
Você é poeta?
Escritor. Escrevo o mundo.
Humm... estive com a Saudade.
Muito prazer, me chamo Esperança.
Bem, esperava uma garota, mas tudo bem. Hoje em dia é
difícil arrumar alguém para um bom papo.
Quantas vezes tentou compreender os outros?
Como assim?
A vanguarda... ela normalmente busca novos caminhos do
marginal, até virar aplausos e se cansar.
Entendo. Mas elas secaram?
Jamais! Se fossem tão perceptíveis, que razão teriam?
Entendi.
Você tem um pouco de preguiça?
Como assim?
Vontade de ficar deitado?
Tenho... o dia todo. O mundo fede...
A merda.
Toma cuidado onde pisa... por que as vezes quem está
fedendo é...
Olha aqui! Me desculpa mas essa conversa está bizarra
demais pra mim. Você é bem desanimador! Eu queria apenas alguém para conversar,
e não uma consulta psiquiatra com um outro louco.
Desculpe... não sou palhaço.
Levanto e pago a conta. Sabe, é difícil encontrar alguém
que não seja um babaca para conversar.
O cheiro de café às vezes me enjoa. No jornal, as
pessoas têm manias estranhas de perseguir a pobre coitada que prepara a bebida.
Fico imaginando que se trocassem café por cocaína, todos os consumidores de
café iriam morrer de overdose e eu talvez ficaria mais feliz.
Minha felicidade depende demais das pessoas ao meu
redor.
Estou sozinho...
sexta-feira, 21 de junho de 2013
O OLHAR CARRANCUDO DE ROBERTO SOBRE AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS... UM ADENDO SOBRE A SAUDADE
Eu caminhava em direção ao metrô, destino à Avenida Paulista. Saí a mando de meu chefe, lá do jornal em que eu trabalho.
´´Não importa que isto não é uma coluna cultural! Você é
jornalista! Todos estão na rua se manifestando! Vá! Vá acompanhar o manifesto e
me traga furos! Furos de reportagem!´´
Assim fui, com a necessidade de manter-me empregado. Na
minha cabeça, ouvia zunir durante todo o caminho do jornal até a Avenida
Paulista:
´´Inferno de vida! Eu que sempre desejei escrever sobre
literatura, arte e afins, tenho que me meter a correr de polícia, desviar de
bombas de gás lacrimogêneo, correr o risco de ficar cego de um olho – como aconteceu
com a moça de um jornal grande – só porque aquele otário não tem mais gente
para mandar cobrir o local.´´
E o ofício começou já bem antes de chegar na
manifestação. No metrô as pessoas, com caras pintadas, enroladas em bandeiras,
gritando e cantando, rumavam para a manifestação. Uns, mais exaltados, batiam
nas paredes do trem para fazer ainda mais barulho. Em noites de futebol, aquele
gesto agredia as pessoas ali sentadas, mas naquela noite não. Elas acompanhavam
os manifestantes com os olhos, sorriam, estavam felizes também.
Um homem, que eu jurava não participar de toda a
movimentação, levantou-se e se uniu ao grupo. Ao grupo que gritava:
´´Conseguímos! O prefeito cedeu! O prefeito cedeu!´´
E o homem, participando do coro, ajudou:
´´Mais saúde! Pela saúde!´´
Um senhor, de lá do fundo do trem, esquecendo da
necessidade de sua bengala, pulou de uma perna só até o grupo de manifestantes
e também ajudou o coro:
´´Fora Dilma! Fora presidenta! Pelo fim do PEC 37!´´
E um casal de garotos, mobilizados pelo coro, ou
vencidos pela falta de condições de manterem um diálogo entre si, resolveram
também aderir aos gritos:
´´Fora Feliciano! Cure a sua viadagem!´´
E eu tomei nota de tudo que acontecia ali. Às vezes
sério, às vezes sorrindo, percebi que as pessoas se uniam e desuniam nas
defesas de suas causas.
A porta do metrô abriu na estação Liberdade. Nunca vi
tanta gente entrando por aquela estação. O trem cabia um estádio inteiro de
futebol. Ninguém se incomodava com a superlotação. Todos conseguiam um espaço e
parece que o próprio espaço físico do trem se ampliava. Eu tomava nota de tudo
que acontecia e os blocos de papeis que eu julgava, acabavam, se multiplicavam
automaticamente em milhares de textos e anotações. Cada detalhe, cada grito, gritos
repetidos, as pessoas em um furor de manifestações, criticavam até mesmo as
práticas sexuais de seus vizinhos.
Entraram no trem dois pastores e uma puta. Eles se
olhavam e caminhavam juntos, com a cautela nos olhos, mas com o respeito de
deixar os preconceitos atópicos e imperceptíveis.
De repente, estacionados na Liberdade, vimos um comboio
de manifestantes embandeirados. Bandeiras vermelhas brandiam o céu da área
externa do metrô. A população que somavam dez mil, dentro daquele vagão, se
emudeceu. Um mais exaltado atirou uma pedra em direção ao comboio e gritou:
´´Essa bandeira não! Some daqui, filho da puta!´´
As portas do vagão se fecharam e os manifestantes embandeirados tiveram de esperar o próximo trem para irem à manifestação. Dentro do vagão,
todos, paulatinamente, começavam a voltar a ser o que eram. O velho agarrou-se
em sua bengala, a puta cuspiu no pastor e o outro a endemoniou, o casal
homossexual se emudeceu em seu canto e o homem que gritava por mais saúde continuou o grito, murmurado no canto da boca.
Meus papeis acabaram e só consegui dar o título à matéria que escrevi:
``Manifestação ou micareta, reivindicação ou festa: distribuição de convites no metrô Liberdade.´´
quinta-feira, 20 de junho de 2013
MARSHALL BERMAN... TUDO QUE É SÓLIDO DESMANCHA NO AR... MARX... AUTODESTRUIÇÃO RENOVADORA!!
Em Tudo que é sólido desmancha no
ar, Marshall Berman realiza um ensaio histórico e literário da sociedade e da
cultura dos séculos XIX e XX. Ele se vale da crítica literária, das ciências
políticas, da arquitetura e urbanismo, para tecer argumentos críticos acerca
das obras Fausto, de Goethe, o Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels,
os poemas de Charles Baudelaire, a ficção de Dostoievski até chegar nas
produções literárias de vanguarda dos anos de 1980.
A obra de Marshall Berman me
ajudou a entender muito bem o marxismo. Baseado no lema Tudo que é sólido desmancha no ar, o autor defende uma
autodestruição renovadora nas artes, na política, nas práticas sociais. Defende
a ideia de que tudo que se solidifica em um tempo, tende a desmanchar no
futuro. Assim são e foram as ideologias que fizeram parte de nossa formação cultural
e ideológica e que nós temos muitas reservas em não renová-las. Todas as
revoluções e manifestações aconteceram dentro de um contexto específico que não
se repete. Podem muito bem se assemelhar e aí o autor defende a necessidade de
renovação, de destruição renovadora do passado, aproveitando o que dá para
aproveitar. Assim caminhamos, historicamente, até chegarmos na sociedade de
hoje.
Em Tudo que é sólido desmancha no
ar, conseguimos perceber o processo histórico da formação social. Os benefícios
da sociedade capitalista e a necessidade de mudança dessa sociedade
paulatinamente. Ainda, o autor propõe uma visão pós-moderna das teorias
marxistas, pautadas na reformulação de conceitos, visando sempre um bem comum.
Dentre as passagens que mais me chamaram atenção, segue abaixo:
´´´Neste ponto caberia perguntar: não existem já interpretações de Marx
em número mais do que suficiente? Será que realmente precisamos de um Marx
modernista, outro espírito afim de Eliot e Kafka, de Schoenberg e Gertrude
Stein e Artaud? Eu penso que sim, não apenas porque Marx aí está, mas porque
tem algo distinto e importante a dizer. Com efeito, Marx pode dizer-nos do
modernismo tanto quanto este nos diz do próprio Marx. O pensamento modernista,
tão brilhante e iluminador do lado escuro de todos e tudo, vem a ter os seus
próprios e reprimidos cantos escuros, sobre os quais Marx pode fazer incidir
nova luz. (...)´´
terça-feira, 18 de junho de 2013
OS CONDENADOS DE OSWALD... A CATARSE DA LITERATURA... A NECESSIDADE DE REVOLUCIONAR-SE
Segundo Suzi Franki Sperber, a
relação entre literatura e o processo político já é trabalhada indiretamente
por Aristóteles, quando fala sobre a função social da arte. A arte é realizada
como uma catarse promovida pelo mundo ficcional que ela cria e o mundo real que
ela analisa e questiona. Aproveitando o momento de manifestações, é
interessante pensar como a arte potencializa nosso senso crítico para os
problemas sociais que perduram em nosso país. Claro que ela não tem apenas esse
objetivo. Aliás, não seria legal tratar as reflexões sociais presentes na
literatura como um objetivo, mas sim como uma característica constitutiva a
todo texto literário. Se se faz literatura, automaticamente se faz especulações
sobre a sociedade em que se vive, ou direta ou indiretamente.
Eu tenho facilidade em
compreender a atualidade, a partir do que me diz os clássicos. É uma opção
pessoal de como entender melhor o mundo e as coisas. Uma obra que me vem a tona
quase sempre que me deparo com questões sociais efervescentes é a trilogia OS
CONDENADOS, de Oswald de Andrade. A leitura flui como um best-seller. A leitura
te empolga com as palavras de um bom romancista e um gênio que é Oswald de
Andrade.
Os personagens de Os Condenados exilam-se em si mesmos e só se
comunicam precariamente pela dor, - uma dor nua, um sofrimento mudo, uma agonia
resignada jamais gritada. Padecendo da exploração do trabalho, da prostituição
do corpo, da implacabilidade do destino, os personagens de OS CONDENADOS vivem
na falta de esperança, no absurdo, no trágico. Estão presentes, numa realidade
sem compaixão pelos fracos, a prostituta-mãe santificada (Alma), a criança
sofredora (Luquinhas), o malandro brutalizado (Mauro Glade), o operário
sonhador (João do Carmo).
Nenhum deles racionaliza,
filosofa ou reflete sobre os caminhos cinzentos que percorrem sob a garoa
paulistana. A mesma São Paulo que presencia, hoje, uma mudança que, creio, é
necessária, é palco da trilogia OS CONDENADOS. Oswald, em 1941, já implorava
pela necessidade do homem revolucionar-se dia-a-dia, internamente, na reformulação
de valores e conceitos sociais.
Fico feliz! É a primeira vez, em
minha geração, que políticas públicas são discutidas a frente do futebol.
domingo, 16 de junho de 2013
05 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE
``Faz tempo que ninguém me pergunta nada...``
``Enquanto as páginas gritam palavras, meu mundo não
grita nada!``
``A falência de uma nação está na dificuldade em usar a
língua.``
Tudo parece criado, feito...
A cesta da minha sala já foi esvaziada quatro vezes. Preciso
escrever sobre a cegueira e justificar meu passeio de quarta-feira. Já é quinta
a tarde e nada. O editor já acostumou com meus atrasos. Todos já se acostumaram
comigo... eu já me acostumei com todo mundo.
Sabe, escrevo sobre Hollywood como escrevo sobre minhas
meias... e eu digo, não há nada que escrever sobre minhas meias.
Meia página é tudo que consigo. Foram dez folhas
impressas, sete com frases que me vieram na cabeça e achei interessante
guardar.
Minha sala é informatizada e de brinde ganhou operadores
robôs: sorrie, trabalhe, se excite, desligue-me e vá almoçar.
Sinto falta de um papo com ela...
No fim do dia meu corpo é uma geléia ainda por se
formar. A sorte é que minha casa é próxima do ponto de ônibus e perto da praça
que a encontrei.
Sento no mesmo lugar.
- Oi? Você está aí?
Sinto um cheiro de perfume doce do meu lado. Viro a
cabeça lentamente e vejo um pom-pom roxo servindo de cabelos na cabeça de uma
senhora.
- Ahn... desculpe senhora...
- Louco!
Ela não viria...
Pelo menos não esqueceria meus cigarros com ninguém.
Levanto e continuo procurando a Saudade. Com tanta gente
viva, fui me apaixonar por uma instância de solidão. Ela tinha uma beleza
ímpar. Conseguia me trazer a lembrança de coisas boas.
Eu queria revê-la para falar das coisas legais. Minha
vida não foi apenas lamentações. Eu tinha amigos. Eu tinha histórias de boteco.
Eu gostava de ler livros e cantar músicas em língua estrangeira.
Parece que o tempo passado se potencializa no meu tempo
presente. Algumas semanas atrás fazem parte da minha história com o pesar de
uma caravela saindo de Portugal. Sou o velho do Restelo? Será que eu sou aquele
que traz o mau agouro para o fluxo natural da vida?
As Grandes Navegações eram o fluxo natural da vida
portuguesa? Será que precisamos ser o que somos? Eu fico me projetando para um
futuro que a Saudade saberia muito bem me explicar.
Como faz para revê-la? Preciso gritar cinco vezes?
Preciso achar um talismã sagrado? Tenho que sacrificar uma virgem? Queria muito
saber. Essa resposta eu encontro...
De baixo do meu nariz! Enquanto eu andava pela rua de
minha casa, com a fome de um almoço passado, consegui entender a dica da
Esperança, lá no Museu do Ipiranga.
- Senhor, eu quero essa coxinha.
- Qual? Essa?
- Senhor, a da esquerda, a menor.
- Olhe, essa aqui tá muito mais bonita e é maior...
- Inferno! Eu quero aquela! Eu preciso daquela coxinha!
- Que diabos! Toma essa coxinha! Demônio, são todas
iguais!
sexta-feira, 14 de junho de 2013
OSWALD, O ZUMBI APAIXONADO... TOM, O CATALÉPTICO OCUPADO... VIGOR MORTIS, O QUADRINHO DOS TEATROS!!!
Paulo Biscaia Filho decide concluir seu mestrado na França.
O assunto, um dos mais estranhos que poderia encontrar nas áreas cênicas: Grand
Guignol, o teatro de horror de Paris. Decidiu tratar, em sua dissertação, sobre
temas como decapitações, mutilações, o que em 1995 não parecia ser temáticas
muito acadêmicas nem teatrais. Mesmo assim, focou no que queria e conseguiu
montar, em 1996, na Faculdade de Artes do Paraná, o grupo de teatro Vigor
Mortis, junto de colegas e alunos.
Em 1997, estreamos
PeeP, uma peça sobre serial killers com ares pretensiosos de vanguarda.
Necessária, mas artisticamente mentirosa. Eu queria fazer algo que ecoasse o
que eu senti lendo The Dark Knight Returns, de Frank Miller, ou vendo Evil
Dead, de Sam Raimi. Levei outros sete anos para conseguir fazer isso de
verdade.
Foi então que, em 2004, Morgue Story – Sangue, Baiacu e
Quadrinhos estreou no Espaço Dois em Curitiba e foi, para Biscaia, a primeira coisa
100% verdadeira produzida pelo artista enquanto autor e diretor de teatro. Isso
mesmo! A genialidade de Biscaia permitiu que ele juntasse teatro e quadrinhos,
zumbis e cultura pop-trash, cinema e sangue.
Vigor Mortis Comics é um quadrinho criado a partir das peças
de teatro do grupo Morgue Story. O volume traz histórias inéditas com
personagens que fazem parte do universo do teatro, como por exemplo em Corra cataléptico corra, que conta a
história de um cidadão que tem ataques de catalepsia nas horas mais bizarras de
seu cotidiano: está tomando café da manhã e de repente acorda no IML, se
levanta e continua sua vida normalmente. O personagem, Tom, foi interpretado
por Anderson Faganello no Morgue Story.
Outra novidade, é a riqueza nos roteiros das histórias
contidas em Vigor Mortis comics. Uma das histórias mais interessantes é a do
zumbi Oswald que busca preencher o vazio de seu coração tentando conhecer uma
garota que lhe aceite, apesar das diferenças. O problema é que ele não hesita
em comer o cérebro de sua namorada na primeira DR que passarem.
Leitura divertida e muito interessante. Você encontra nas
principais livrarias e no site www.vigormortis.com.br
Vale muito a leitura!
quarta-feira, 12 de junho de 2013
MALOQUEIRISTA... DESCAMINHAR.... ACEITANDO DOAÇÕES.... PEDRO TOSTES!
Todos nós sabemos que a vida é
efêmera. Todos nós desfrutamos daquele pouco de apego espiritual para
justificar que, no fim, nós deixaremos de habitar esse lugar terreno, recheado
de coisas boas e, por que não, ruins. Pedro Tostes, como escrito no prefácio de
seu Descaminhar, é um guerrilheiro
poético que, perambulando pelas ruas do Rio, de São Paulo, ou por qualquer
cidade em que a Avenida se chama vida, soube
compreender de um jeito diferente o efêmero do mundo.
Somos barroco, grito! Temos
conflitos de razão e espírito o tempo inteiro. Somos modernos, grito!
Necessitamos nos encaixar na engrenagem do capitalismo selvagem. Nem sempre!
Diz Pedro Tostes, a cada palavra ou verso lido de seu Descaminhar. Somos pedaços da história, diz o poeta, somos além da
carne e da pele fincados no mundo, grita o poeta, somos alternativos e confusos
a cada segundo, berra o poeta!
Em Descaminhar, de Pedro Tostes, encontro uma leitura que impulsiona a
necessidade de um novo caminho para uma vida inserida no mundo do consumo materialista.
A fé é dinheiro. A ideologia é dinheiro. O amor é dinheiro. A felicidade é
barganhada pelo pastor e pelo psicanalista.
Sempre digo que a melhor
auto-ajuda é a poesia, pois ela complica o descomplicado e descomplica o
complicado, e assim te esclarece e obscura o tempo inteiro. Pois bem, Tostes
consegue embaralhar tudo isso e um pouco mais, e nos mostra que estamos, sim,
em um caminho de incertezas trabalhado com as certezas simplistas do
capitalismo que invade sua cultura, sua formação política, suas escolhas e até
mesmo, porque não, seu jeito de ruminar o cotidiano.
Dentre os poemas que mais me
chamaram atenção em Descaminhar, de
Pedro Tostes, foi Ponto sem retorno, que não consigo reproduzir aqui a
diagramação exata dos versos (extremamente importantes no livro) e, com isso,
perde-se muito da riqueza poética do discurso.
PONTO SEM RETORNO
Acontece que é disso
Que eu ganho a
vida.
Aquilo que
me alimenta
A alma
É hoje
Meu pão.
Mas como explicar a todos?
Que o
pão é pedra
Que é
água que é
Ar que é tudo que aí está
E que,
afinal de contas, não
Está
a venda
Vocês conseguem um exemplar de Descaminhar, de Pedro Tostes, em contato
direto com o autor ou na internet, em sites de grandes livrarias. É carimbado
pelo selo POESIA MALOQUEIRISTA, mas isso é assunto para um outro post.
PEDRO TOSTES é poeta, produtor,
agitador, livreiro e outras atividades correlatas. Editor da Revista Não
Funciona (ANO IV), faz parte do coletivo POESIA MALOQUEIRISTA, participa de
debates, júris, promove eventos, internações, etc. Publicou em diversos
jornais, revistas, sites e coletâneas literárias desde 96, entre recentes a
Antologia SadoMasoquista da Literatura Brasileira (org. Glauco Mattoso e
Antonio Vicente Pietroforte), além de ter publicado o livro ´´o minimo´´ (Ibis
Libris, 2003). Almeja desaprender muitas coisas que não lhe ensinaram, mas todos
sabem.
segunda-feira, 10 de junho de 2013
RELER, TRESLER, DESLER, REFORMAR........... REFORMATÓRIO
Eu inicio este post com uma reflexão interdiscursiva e intertextual do ato de leitura. Para tanto, eu me senti na obrigação de iniciar este post de forma metalinguística, me comunicando com o próprio post e refletindo sobre a justificativa do ato de postar. Talvez até o fim das minhas palavras, tudo isso venha a fazer um sentido muito vasto em sua vida. Eu espero que sim. Nós esperamos que sim.
Comecemos pelas palavras brilhantes do poeta Paulo Leminiski, quando diz, sobre o ato de leitura, que ler é pelo não, é uma prática que se realiza com o intuito de investigar os nãos que se escondem por trás dos sims do texto. É captar as entrelinhas, é transgredir a mensagem posta. É invadir um mundo de etcéteras para, enfim, se ter a compreensão exata de que a certeza é uma grande dúvida numa retórica bem feita.
Ler pelo não
Paulo Leminski
"Ler pelo não, quem dera! “ - exclama o poeta e indica vias e jeitos:
Em cada ausência, sentir o cheiro forte
do corpo que se foi,
a coisa que se espera.
Ler pelo não, além da letra,
ver em cada rima vera, a prima pedra,
onde a forma perdida
procura seus etcéteras.
Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
e descobrir a América.1
Em cada ausência, sentir o cheiro forte
do corpo que se foi,
a coisa que se espera.
Ler pelo não, além da letra,
ver em cada rima vera, a prima pedra,
onde a forma perdida
procura seus etcéteras.
Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
e descobrir a América.1
Ler pelo não é reformar-se a cada leitura, e reformar-se a cada leitura é a proposta da editora Reformatório, idealizada e concretizada pelo meu amigo e escritor Marcelo Nocelli. Diante de tanta necessidade de lucro, que acaba por reduzir o trabalho do autor de literatura em quantidade possível de público cativado, eis que surge um espaço que tem como compromisso a LIBERDADE DE SEUS LEITORES E AUTORES. Está aí a diferença do Reformatório. Reformar não é um ato imposto por teceiros, mas uma luz de consciência que se dá pela sua individual leitura de mundo.
Visitem o site da editora e participem do lançamento do primeiro trabalho concretizado pela Reformatório. Pode ser a sua chance de presenciar os primeiros passos de uma tendência editorial de respeito a autores e leitores.
O lançamento oficial de A Ruptura, ocorrerá no dia 25/jun a partir das 19:00 na Livraria Martins Fontes Paulista.
EM BREVE RESENHA SOBRE O LIVRO E O AUTOR NO PORTAL ABANHEEM.
Martins Fontes Paulista
Av. Paulista, 509 | Estação Brigadeiro do Metrô
Telefone: (11) 2167 9900
Convênios com estacionamento - Rua Manoel da Nóbrega, 88 ou 95.
Serviço de manobrista - Rua Manoel da Nóbrega, 95.
Primeira hora gratuita nas compras acima de R$ 10,00
Mais informações no site:
domingo, 9 de junho de 2013
04 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE
A Avenida Paulista foi um dia um gigantesco matagal. Em
1891 Joaquim Eugenio Lima, um uruguaio, decidiu fazer dela uma grande paisagem
à moda européia. Já que não tinha mais índio para enfeitar, que enfeitemos
nossa paisagem! A burguesia invadiu a avenida promovendo a construção de
grandes casarões, que conviveram com grandes movimentações urbanas como
corridas de automóveis e passeatas.
O Trianon foi esbofeteado pelo modernismo. E o Trianon
fica na Avenida Paulista.
Com o tempo tiveram de alargar a avenida. As corridas de
automóveis se engarrafaram. Sabe como é,
muito corredor para pouco espaço
acabou tornando a emoção um tédio rotineiro.
E sabe o que aconteceu? Os terrenos do parque Villon e
Bellvedere Trianon se estenderam e viraram uma gigantesca rua chamada Augusta.
Lá vive a grande sociedade paulistana. Lá há bailes, homenagens políticas,
carnaval e até manifestos artísticos. O problema é que nada do que eles falam tem
muito peso no mundo. Villon e Bellvedere acabaram virando uma gigantesca massa
monga de São Paulo. Parabéns Andrades.
Nas quartas a cultura sai de folga. É o dia do cinema,
no jornal. Nós saímos para assistir os filmes em cartaz para comentar depois.
Eu fico com o espaço de filmes alternativos. Existem
filmes muito bons, mas a maioria dá preguiça de assistir.
- Estive cara a cara com a Saudade, por que não
perguntei coisas mais interessantes? Sei lá, rever pessoas ao invés de
questionar sobre minhas dores de consciência...
(Estranhei os
olhos espantados que ouviam meus falatórios comigo mesmo)
- Eu sou um incrível idiota... mas olha só também! O que
se tornou o Dandi? Alternativos imbecis que caçoam as academias... e as
academias? Pra que? Sei lá... essas coisas parecem importar muito pra mim.
- Essa gente toda escolhe filme pelo nome. Vamos
assistir um filme que não esteja passando no cinema. Sejamos diferentes.
Sejamos iguais na diferença.
- Dessculpe se assustei vocês, babacas!
O filme até que era interessante. Uma cidade inteira
perde a visão e eles têm que se acostumar com isso. Não era um filme novo. Ele
passara no cinema anos atrás. Aí me pergunto: quantas pessoas realmente
enxergam hoje em dia?
Sinto uma vontade estranha em ligar para Natasha. Aquele
papo com a Saudade não me fez bem... eu passei o filme inteiro lembrando de
como minha vida era feliz e como agora ela é tão deprimente.
Bom, pelo menos eu não vivo de aluguel. Pelo menos meu
nome não está sujo e todas as minhas contas estão pagas. É, eu realmente sou
uma máquina de angústias.
Decidi tomar um café próximo ao cinema. Na Paulista tem
lugares interessantíssimos com dandis antiquados que tornaram-se verdadeiros
parnasos. É estranho como o mundo dá voltas.
Minha cabeça dá voltas. Enquanto o líquido preto e
quente me furava a garganta, me veio a imagem daquela menina... Saudade. Ela se
parecia tanto com Natasha... ela se parecia com tanta gente. Cada vez que eu
lembrava dela, ela me parecia alguém diferente.
Ainda me lembro do número de Natasha... repetia como um
mantra na minha cabeça, uma vez por dia... ela tinha uma tatuagem... como explicara aquilo para seu novo amor? Um
simples impulso? Um último tchau para a adolescência? Ela, hoje tão
responsável... ainda continuava sonhadora? Estaria feliz?
É... todo esse lugar me cobra demais. Ainda me resta um
pouco do dia de folga. Pularei num ônibus não muito lotado e verei onde dará.
Não poderia ir para um lugar pior...
O sol quente me lembra um dia de família. Um dia com
pais brincando com seus filhos. O cachorro agarrando o squeeze do casal
apaixonado. O skatista fazendo suas manobras para todos olharem, espantados.
O Ipiranga é a linha intermediária do velho e do novo,
do início da ruptura. Dos pseudo-gritos de liberdade dados por um
pseudo-representante do povo num pseudo-país livre. Pseudos... somos todos
pseudos. Prazer, pseudo-Roberto, um pseudo-jornalista que trabalha num
pseudo-jornal, num pseudo-cargo de pseudo-redator de uma pseudo-cultura.
Aqui sinto ares de Saudade. Ando por dez minutos, me
afastando completamente do ambiente familiar do parque. Subindo para cima do
edifício do museu, ainda na área externa, existe alguns banquinhos que não
ficam ninguém. Alguns casais apaixonados decidem testar suas primeiras malícias
ali. Encontro dois jovens embriagados sentados com uma garota. Ao me verem,
imediatamente levantam-se e vão embora. Ela me olha, sorri. Me apresento.
- Muito prazer. Me chamo Roberto.
- Prazer. Me chamo Esperança.
quinta-feira, 6 de junho de 2013
PARALISIA CEREBRAL! NEIL YOUNG! DIOGO MAINARDI! SIGMUND FREUD! TITO!
"Tito tem paralisia cerebral."
Assim começa o relato biográfico e a epopéia literária de Diogo Mainardi em A Queda: as memórias de um pai em 424 passos.
O livro traz o relato do nascimento e a infância de Tito, o filho primogênito do escritor e jornalista Diogo Mainardi. A obra, cujo título nos remete quase que a um receituário das memórias do autor, passa a enredar a história familiar, artística e literária do autor. Dentre tantas personagens presentes em sua obra, encontramos Ezra Pound, Marcel Proust, Neil Young, Sigmund Freud, Adolf Hitler, U2, dentre outros, que vão se interligando com a história de vida do autor, de seu filho Tito e da construção cultural do mundo ocidental.
É um livro de narrativa fragmentada e contínua, que te emociona ao mesmo tempo que te informa e te transforma. Diogo Mainardi tem o poder de argumentar com ironia, de desestabilizar-se com realismo. Do que me chamou mais atenção na obra de Mainardi foi como altera a concepção de mundo para ele, a partir do nascimento de seu filho. Cada passo do livro, Mainardi dialoga o estado de adaptação de Tito com a história cultural do mundo observada pelo autor, já que ele tem dois deveres no mundo: ser pai e trabalhar como escritor de arte, cultura e política.
Vale muito a pena ler essa obra! A seguir, uma das passagens que mais me chamou atenção nesta biografia romanceada de Mainardi:
" 167
Agora Tito está em seu quarto. Eu estou na biblioteca.
Ele faz tap-tap-tap no teclado de seu computador. Eu respondo fazendo tap-tap-tap no teclado de meu computador.
Envio-lhe um PDF com a imagem de Christy Brown. Em seguida, explico-lhe pelo VoIP que Christy Brown tinha uma paralisia cerebral muito mais debilitante do que a sua, e que mesmo assim foi capaz de se transformar em um importante escritor.
Envio-lhe também um arquivo com a música de The Pogues e traduzo sua letra, que conta como Christy Brown, o bobo da aldeia, conseguiu tornar-se um escritor respeitado de norte a sul datilografando - tap-tap-tapping - com os dedos do pé. (...)"
Diogo Mainardi nasceu em 1962, em São Paulo. Mora em Veneza. Participa do programa Manhattan Connection, no canal Globo News. Publicou quatro romances e duas coletâneas de suas colunas para a revista Veja: A tapas e pontapés (Record, 2004) e Lula é minha anta (Record, 2007).
terça-feira, 4 de junho de 2013
URGENTE! OS MONSTROS INVADEM A CIDADE DE SANTOS!
Monstros
gigantes adoram invadir Tóquio e Nova Iorque. Monstros gigantes não tem muito
espaço na cultura tupiniquim. Monstros gigantes são tão distantes de nossa
realidade quanto o western americano e o mangá japonês. Será? Gustavo Duarte
prova e re-prova mil vezes que todas essas teses são furadas!
Gustavo Duarte nasceu em São Paulo, em 1977, e mudou-se para Bauru em 1985. Formado em design gráfico pela Unesp, começou a sua carreira de cartunista e ilustrador no Diário de Bauru, onde atuou de 1997 a 1999. Além de colaborador com as principais revistas e jornais do país, foi chargista do Lance! Por doze anos e vencedor de sete prêmios HQ mix.
Em Monstros,
de Gustavo Duarte, nos deparamos com uma invasão dos mais terríveis, grotescos
e gigantescos monstros na cidade de Santos, em São Paulo. Como toda história de
invasão e destruição de uma cidade por seres bizarros que saem dos mares tem um
herói, nesta história não poderia ser diferente: o velho Pinô, dono de bar,
pescador e famoso contador de casos da baixada é o protagonista dessa epopeia
brasílica que marca a batalha do velho pescador contra as aberrações dos sete
mares.
A narrativa
de Os Monstros é encantadora e nos prende do começo ao fim. Contudo, há um
detalhe importantíssimo nesta obra: trata-se de um quadrinho sem texto escrito.
Isso pode parecer estranho em um primeiro momento - para os leitores menos
encantados com o gênero pode até soar um tanto quanto desestimulante gastar
dinheiro em um livro que se lê em uma sentada - mas aí vai a dica de quem gosta
muito de arte e quadrinho e tem uma propriedade mediana para analisá-los: eu
recomendo que em cada quadro desenhado por Gustavo Duarte se perca em média de
cinco a dez segundos. A demora em cada quadro lhe garantirá a sequenciação
narrativa de um filme à moda invasão de Tóquio! - além de fazer sua leitura
durar mais e te impulsionar a repeti-la mais de uma vez, para retomar o transe
que te leva a obra e a meditação sobre a obra. Você constrói o suspense da
leitura a partir do ritmo que dá a ela, sendo devagar, apreciador de cada
detalhe. O interessante também é que apreciando cada quadro, você observa a
riqueza dos detalhes de cada descrição ilustrada pelo quadrinista de pontos
reais da cidade de Santos sendo invadidos pelos monstros gigantes. Quem conhece
a cidade, ficará maravilhado com a forma com que cada detalhe dos locais
escolhidos pelo quadrinista foi adaptado à sua obra.
Vale a pena
cada centavo gasto em Os Monstros, de Gustavo Duarte. Vocês encontram o livro
nas grandes livrarias e eu comprei o meu no Espaço Geek da Livraria Cultura. Leiam
e divirtam-se!
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