``Faz tempo que ninguém me pergunta nada...``
``Enquanto as páginas gritam palavras, meu mundo não
grita nada!``
``A falência de uma nação está na dificuldade em usar a
língua.``
Tudo parece criado, feito...
A cesta da minha sala já foi esvaziada quatro vezes. Preciso
escrever sobre a cegueira e justificar meu passeio de quarta-feira. Já é quinta
a tarde e nada. O editor já acostumou com meus atrasos. Todos já se acostumaram
comigo... eu já me acostumei com todo mundo.
Sabe, escrevo sobre Hollywood como escrevo sobre minhas
meias... e eu digo, não há nada que escrever sobre minhas meias.
Meia página é tudo que consigo. Foram dez folhas
impressas, sete com frases que me vieram na cabeça e achei interessante
guardar.
Minha sala é informatizada e de brinde ganhou operadores
robôs: sorrie, trabalhe, se excite, desligue-me e vá almoçar.
Sinto falta de um papo com ela...
No fim do dia meu corpo é uma geléia ainda por se
formar. A sorte é que minha casa é próxima do ponto de ônibus e perto da praça
que a encontrei.
Sento no mesmo lugar.
- Oi? Você está aí?
Sinto um cheiro de perfume doce do meu lado. Viro a
cabeça lentamente e vejo um pom-pom roxo servindo de cabelos na cabeça de uma
senhora.
- Ahn... desculpe senhora...
- Louco!
Ela não viria...
Pelo menos não esqueceria meus cigarros com ninguém.
Levanto e continuo procurando a Saudade. Com tanta gente
viva, fui me apaixonar por uma instância de solidão. Ela tinha uma beleza
ímpar. Conseguia me trazer a lembrança de coisas boas.
Eu queria revê-la para falar das coisas legais. Minha
vida não foi apenas lamentações. Eu tinha amigos. Eu tinha histórias de boteco.
Eu gostava de ler livros e cantar músicas em língua estrangeira.
Parece que o tempo passado se potencializa no meu tempo
presente. Algumas semanas atrás fazem parte da minha história com o pesar de
uma caravela saindo de Portugal. Sou o velho do Restelo? Será que eu sou aquele
que traz o mau agouro para o fluxo natural da vida?
As Grandes Navegações eram o fluxo natural da vida
portuguesa? Será que precisamos ser o que somos? Eu fico me projetando para um
futuro que a Saudade saberia muito bem me explicar.
Como faz para revê-la? Preciso gritar cinco vezes?
Preciso achar um talismã sagrado? Tenho que sacrificar uma virgem? Queria muito
saber. Essa resposta eu encontro...
De baixo do meu nariz! Enquanto eu andava pela rua de
minha casa, com a fome de um almoço passado, consegui entender a dica da
Esperança, lá no Museu do Ipiranga.
- Senhor, eu quero essa coxinha.
- Qual? Essa?
- Senhor, a da esquerda, a menor.
- Olhe, essa aqui tá muito mais bonita e é maior...
- Inferno! Eu quero aquela! Eu preciso daquela coxinha!
- Que diabos! Toma essa coxinha! Demônio, são todas
iguais!