quinta-feira, 17 de abril de 2008

UM POUCO DE FOUCAULT - UMA REFLEXÃO DE ROSA MAIRA BUENO FISCHER

Procurei, neste artigo, expor a teoria de Foucault sobre o discurso, demonstrando
de que modo o autor ensina aos pesquisadores um modo de investigar
não .o que está por trás. dos textos e documentos, nem .o que se queria
dizer. com aquilo, mas sim descrever quais são as condições de existência de um
determinado discurso, enunciado ou conjunto de enunciados. Suspendendo continuidades,
acolhendo cada momento do discurso e tratando-o no jogo de rela-
ções em que está imerso, é possível levantar um conjunto de enunciados efetivos,
em sua singularidade de acontecimentos raros, dispersos e dispersivos e indagar:
afinal, por que essa singularidade acontece ali, naquele lugar, e não em outras
condições?
Em síntese, partindo de que não se pode falar de qualquer coisa em qualquer
época, o que afirmei, a partir de Foucault, é que um determinado objeto
(como o conjunto de enunciações sobre a professora dadivosa ou a adolescente
virgem) existe sob condições .positivas., na dinâmica de um feixe de relações, e
que há condições de aparecimento histórico de um determinado discurso, relativas
às formações não discursivas (instituições, processos sociais e econômicos).
Tudo isso pode ser aprendido e descrito a partir dos próprios textos; a partir deles,
é possível destacar as regras pelas quais o jogo de relações entre o discursivo e o
não discursivo, em uma determinada época, fazem aparecer aquele objeto, e não
outro, como objeto de poder e saber (o objeto virgindade adolescente, o objeto
professora missionária, ou ainda o objeto mulher jovem de 40 anos, conforme os
exemplos citados).
A compreensão da temporalidade dos discursos, como vimos aqui, talvez
possa deixar um pouco mais clara a preocupação de Foucault com a .raridade. não
só dos enunciados, mas dos próprios fatos humanos. Essa atenção ao que poderia
ser .outro. é básica para o arqueologista. O historiador Paul Veyne explica que a
afirmação de que os fatos humanos são raros significa, no pensamento foucaultiano,
que eles:
222 Cadernos de Pesquisa, n. 114, novembro/ 2001
...não estão instalados na plenitude da razão, há um vazio em torno deles para
outros fatos que o nosso saber nem imagina; pois o que é poderia ser diferente; os
fatos humanos são arbitrários, no sentido de Mauss, não são óbvios, no entanto
parecem tão evidentes aos olhos dos contemporâneos e mesmo de seus historiadores
que nem uns nem outros sequer o percebem. (Veyne, 1982, p.152, grifos
meus)
O convite de Foucault é que, através da investigação dos discursos, nos
defrontemos com nossa história ou nosso passado, aceitando pensar de outra
forma o agora que nós é tão evidente. Assim, libertamo-nos do presente e nos
instalamos quase num futuro, numa perspectiva de transformação de nós mesmos.
Nós e nossa vida, essa real possibilidade de sermos, quem sabe um dia,
obras de arte.

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