segunda-feira, 16 de junho de 2008

I - O Demônio da Perversidade

- Lewi Coca? – disse uma voz feminina.
- Sim. Quem é? – disse um sotaque italiano grosso e rústico.
- Lorenna Tricky.
O telefone saltou-lhe das mãos grossas e branquelas, mas logo o recuperou no ar.
Ajeitou alguns aparelhos espalhados numa mesa de escritório. Tinha que rastrear aquela ligação.
Acenou para um homem gordo que dormia na cadeira. Não houve resposta.
- Você... bem, é uma audácia ligar pra mim. – disse Lewi, enquanto tentava chamar atenção de seu funcionário. – Já te contaram que é a garota mais procurada em Nightbytes?
- Ah... claro. Eu leio jornais. – deu uma risada meiga.
- Então diga o que quer, e dê tempo para que os policiais cheguem até você.
- Lewi... Você ta há tanto tempo atrás de mim que acabamos virando amigos íntimos não acha? Estranhou eu nunca ter te ligado? – sorriu. - Às vezes sinto falta de uma conversa contigo. – sorriu novamente.
Lewi correspondeu à risada.
- Vá direto ao ponto, gatinha... eu conheço você tão bem quanto imagina. Sei que não será pega dessa vez e só está fazendo isso para tomar meu tempo. Mas saiba que eu também tenho meus truques... sei que estou sendo usado. – sorriu, mas na verdade ele não esperava ligação nenhuma.
- Você é esperto Lewi... muito por sinal. Foi o que chegou mais próximo de mim. –Ele não lhe respondia mais. Ninguém nunca conseguira uma conversa com a melhor criminosa de Nightbytes e saíra vivo. Aquilo garantiria uma aposentadoria bem recheada. – Mas, infelizmente, você não será uma exceção da regra.
- Como assim?
- Você sabe... minha voz é muito bela para ser ouvido por todos os ouvidos da cidade. Prefiro continuar sendo uma lenda.
- Aí que você se engana. Todas as ligações são registradas aqui nesse prédio. E Loyd está... – observou seu funcionário gordo ainda dormindo, imóvel. Depois de tanto barulho na sala, ele não acordara. – Está...
- Morto. Infelizmente. – sorriu.
- Como você fez isso? – berrou. – Ele foi almoçar comigo... você envenenou ele? – não havia passado por sua cabeça que ela poderia estar dentro do prédio. Seria impossível, mas nunca era demais quando se tratava de Lorenna Tricky.
- Pois é... tudo começou no mês passado...
- Mas que diabos você está falando?
- Eu estava angustiada e triste no meu apartamento. O andamento das pesquisas de invasão celular via rede não estava dando bons resultados. Parecia impossível! Mas Lobby, sempre o Lobby, surgiu naquela tarde com uma nova descoberta: a implantação do vírus K via rede. – sorriu ela. – você sabe mais que eu que esse vírus destrói uma pessoa em poucas horas. Transmiti-lo via IP seria o máximo. Imagina quantas verdinhas renderemos espalhando esse vírus na rede e depois vendendo anti-vírus como uns desvairados, após algumas milhares de mortes.
- O que?! – berrou Lewi. – Vocês são doentes! – mas ao olhar para o lado e ver aquele corpo obeso dormindo, estremeceu.
- Sem intromissões, senão num vai dar tempo, gatinho! – sorriu Lorenna. – pois bem, fizemos questão de que a primeira experiência com o vírus fosse o teu escritório. Já que somos tão próximos...
Lewi soltou uma gargalhada enlouquecida. Ela só podia estar maluca. A Attack tinha o controle de tudo. A ZSS era o maior empreendimento de segurança de Nightbytes. Era impossível invadir o sistema de dados e destruir o sistema de segurança, quanto mais infectá-los com um vírus do mundo real.
- Enfim, nós já conseguimos tudo que queríamos. Está começando uma nova era, gatinho. A população se encheu dessa democracia fantasiosa que só nos fode! – Lorenna teve um ímpeto de raiva, mas logo se controlou. – agora, deixarei que o vírus corroa tuas entranhas, seu desgraçado nojento!
O telefone ficou mudo.
Lewi correu para checar o servidor de segurança que era um notebook que ficava do lado oposto ao do funcionário que dormia. Tudo estava normal.
``Ela blefou. Aquela vadia blefou!`` - pensou, sentindo-se revivido. A um segundo atrás parecia estar no inferno.
Olhou o companheiro que dormia.
´´Ótimo... por que ele não acorda?``
Deu alguns cutucões no funcionário e viu que os pulsos dele estavam negros, carbonizados. Deu um salto para trás.
``O que é isso?``
Na tela do notebook do funcionário havia um ícone de um ursinho balançando os braços. Clicou.

É NECESSÁRIO ESTAR CONECTADO PARA ESTA OPERAÇÃO

Plugou dois fones no pulso e sentiu seu corpo duro na cadeira. Em menos de dois segundos foi transportado para um beco escuro. Vestia um casaco marrom e um chapéu de feltro. O beco tinha, além de uma lata de lixo infestada de ratos, um acesso a uma avenida com dois letreiros: à esquerda, um letreiro vermelho indicava conecções ao meio interno. À direita, programas online. Caminhou à direita.
Caminhou na avenida e avistou, mais adiante, uma parede com inúmeras portas, todas pintadas com os mais variados desenhos, até encontrar um urso balançando os braços. Caminhou até a porta e a abriu.
Uma luz branca ofuscou-lhe a visão e se deu conta de que estava novamente no beco escuro, caído ao lado do latão de lixo. O chapéu estava a alguns metros, próximo aos pés de uma linda garota morena de casaco vinho e olhos verdes.
- Lorenna?! – gritou Lewi. – Voc...
A voz lhe foi abafada. Ele mal conseguia puxar o ar. Nas mãos daquela linda morena havia uma seringa com um líquido preto dentro. Injetou nas costas dele, que cambaleou e deitou no chão.
Ora enxergava a mesa de seu escritório, ora enxergava um céu negro e poluído, até que uma pressão gigantesca veio-lhe na cabeça e sua visão ofuscou-se para sempre.

No noticiário da manhã:

``Lewi Coca encontrado morto em seu escritório nesta madrugada, vítima de uma overdose caféica. O detetive era o principal investigador da vigilante Lorenna Tricky. Aguardamos maiores informações no jornal da noite.``

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