quarta-feira, 12 de junho de 2013

MALOQUEIRISTA... DESCAMINHAR.... ACEITANDO DOAÇÕES.... PEDRO TOSTES!

Todos nós sabemos que a vida é efêmera. Todos nós desfrutamos daquele pouco de apego espiritual para justificar que, no fim, nós deixaremos de habitar esse lugar terreno, recheado de coisas boas e, por que não, ruins. Pedro Tostes, como escrito no prefácio de seu Descaminhar, é um guerrilheiro poético que, perambulando pelas ruas do Rio, de São Paulo, ou por qualquer cidade em que a Avenida se chama vida, soube compreender de um jeito diferente o efêmero do mundo.
Somos barroco, grito! Temos conflitos de razão e espírito o tempo inteiro. Somos modernos, grito! Necessitamos nos encaixar na engrenagem do capitalismo selvagem. Nem sempre! Diz Pedro Tostes, a cada palavra ou verso lido de seu Descaminhar. Somos pedaços da história, diz o poeta, somos além da carne e da pele fincados no mundo, grita o poeta, somos alternativos e confusos a cada segundo, berra o poeta!
Em Descaminhar, de Pedro Tostes, encontro uma leitura que impulsiona a necessidade de um novo caminho para uma vida inserida no mundo do consumo materialista. A fé é dinheiro. A ideologia é dinheiro. O amor é dinheiro. A felicidade é barganhada pelo pastor e pelo psicanalista.
Sempre digo que a melhor auto-ajuda é a poesia, pois ela complica o descomplicado e descomplica o complicado, e assim te esclarece e obscura o tempo inteiro. Pois bem, Tostes consegue embaralhar tudo isso e um pouco mais, e nos mostra que estamos, sim, em um caminho de incertezas trabalhado com as certezas simplistas do capitalismo que invade sua cultura, sua formação política, suas escolhas e até mesmo, porque não, seu jeito de ruminar o cotidiano.
Dentre os poemas que mais me chamaram atenção em Descaminhar, de Pedro Tostes, foi Ponto sem retorno, que não consigo reproduzir aqui a diagramação exata dos versos (extremamente importantes no livro) e, com isso, perde-se muito da riqueza poética do discurso.

PONTO SEM RETORNO

Acontece que é disso
    Que eu ganho a vida.
            Aquilo que me alimenta
A alma
            É hoje
                          Meu pão.

Mas como explicar a todos?
                  Que o pão é pedra
                  Que é água que é
                    Ar que é tudo que aí está
                    E que, afinal de contas, não
                                               Está a venda

Vocês conseguem um exemplar de Descaminhar, de Pedro Tostes, em contato direto com o autor ou na internet, em sites de grandes livrarias. É carimbado pelo selo POESIA MALOQUEIRISTA, mas isso é assunto para um outro post.


PEDRO TOSTES é poeta, produtor, agitador, livreiro e outras atividades correlatas. Editor da Revista Não Funciona (ANO IV), faz parte do coletivo POESIA MALOQUEIRISTA, participa de debates, júris, promove eventos, internações, etc. Publicou em diversos jornais, revistas, sites e coletâneas literárias desde 96, entre recentes a Antologia SadoMasoquista da Literatura Brasileira (org. Glauco Mattoso e Antonio Vicente Pietroforte), além de ter publicado o livro ´´o minimo´´ (Ibis Libris, 2003). Almeja desaprender muitas coisas que não lhe ensinaram, mas todos sabem.



segunda-feira, 10 de junho de 2013

RELER, TRESLER, DESLER, REFORMAR........... REFORMATÓRIO

Eu inicio este post com uma reflexão interdiscursiva e intertextual do ato de leitura. Para tanto, eu me senti na obrigação de iniciar este post de forma metalinguística, me comunicando com o próprio post e refletindo sobre a justificativa do ato de postar. Talvez até o fim das minhas palavras, tudo isso venha a fazer um sentido muito vasto em sua vida. Eu espero que sim. Nós esperamos que sim. 

Comecemos pelas palavras brilhantes do poeta Paulo Leminiski, quando diz, sobre o ato de leitura, que ler é pelo não, é uma prática que se realiza com o intuito de investigar os nãos que se escondem por trás dos sims do texto. É captar as entrelinhas, é transgredir a mensagem posta. É invadir um mundo de etcéteras para, enfim, se ter a compreensão exata de que a certeza é uma grande dúvida numa retórica bem feita.

Ler pelo não 
Paulo Leminski


"Ler pelo não, quem dera! “ - exclama o poeta e indica vias e jeitos:
Em cada ausência, sentir o cheiro forte
do corpo que se foi,
a coisa que se espera.

Ler pelo não, além da letra,
ver em cada rima vera, a prima pedra,
onde a forma perdida
procura seus etcéteras.

Desler, tresler, contraler,
enlear-se nos ritmos da matéria,
no fora, ver o dentro e, no dentro, o fora,
navegar em direção às Índias
e descobrir a América.
1




Ler pelo não é reformar-se a cada leitura, e reformar-se a cada leitura é a proposta da editora Reformatório, idealizada e concretizada pelo meu amigo e escritor Marcelo Nocelli. Diante de tanta necessidade de lucro, que acaba por reduzir o trabalho do autor de literatura em quantidade possível de público cativado, eis que surge um espaço que tem como compromisso a LIBERDADE DE SEUS LEITORES E AUTORES. Está aí a diferença do Reformatório. Reformar não é um ato imposto por teceiros, mas uma luz de consciência que se dá pela sua individual leitura de mundo.

Visitem o site da editora e participem do lançamento do primeiro trabalho concretizado pela Reformatório. Pode ser a sua chance de presenciar os primeiros passos de uma tendência editorial de respeito a autores e leitores.

O lançamento oficial de A Ruptura, ocorrerá no dia 25/jun a partir das 19:00 na Livraria Martins Fontes Paulista
EM BREVE RESENHA SOBRE O LIVRO E O AUTOR NO PORTAL ABANHEEM.
Martins Fontes Paulista
Av. Paulista, 509 | Estação Brigadeiro do Metrô
Telefone: (11) 2167 9900
Convênios com estacionamento - Rua Manoel da Nóbrega, 88 ou 95.
 Serviço de manobrista - Rua Manoel da Nóbrega, 95.
Primeira hora gratuita nas compras acima de R$ 10,00

Mais informações no site:




domingo, 9 de junho de 2013

04 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

A Avenida Paulista foi um dia um gigantesco matagal. Em 1891 Joaquim Eugenio Lima, um uruguaio, decidiu fazer dela uma grande paisagem à moda européia. Já que não tinha mais índio para enfeitar, que enfeitemos nossa paisagem! A burguesia invadiu a avenida promovendo a construção de grandes casarões, que conviveram com grandes movimentações urbanas como corridas de automóveis e passeatas.

O Trianon foi esbofeteado pelo modernismo. E o Trianon fica na Avenida Paulista.
Com o tempo tiveram de alargar a avenida. As corridas de automóveis se engarrafaram. Sabe como é,
muito corredor para pouco espaço acabou tornando a emoção um tédio rotineiro.

E sabe o que aconteceu? Os terrenos do parque Villon e Bellvedere Trianon se estenderam e viraram uma gigantesca rua chamada Augusta. Lá vive a grande sociedade paulistana. Lá há bailes, homenagens políticas, carnaval e até manifestos artísticos. O problema é que nada do que eles falam tem muito peso no mundo. Villon e Bellvedere acabaram virando uma gigantesca massa monga de São Paulo. Parabéns Andrades.

Nas quartas a cultura sai de folga. É o dia do cinema, no jornal. Nós saímos para assistir os filmes em cartaz para comentar depois.

Eu fico com o espaço de filmes alternativos. Existem filmes muito bons, mas a maioria dá preguiça de assistir.

- Estive cara a cara com a Saudade, por que não perguntei coisas mais interessantes? Sei lá, rever pessoas ao invés de questionar sobre minhas dores de consciência...

(Estranhei os olhos espantados que ouviam meus falatórios comigo mesmo)

- Eu sou um incrível idiota... mas olha só também! O que se tornou o Dandi? Alternativos imbecis que caçoam as academias... e as academias? Pra que? Sei lá... essas coisas parecem importar muito pra mim.

- Essa gente toda escolhe filme pelo nome. Vamos assistir um filme que não esteja passando no cinema. Sejamos diferentes. Sejamos iguais na diferença.

- Dessculpe se assustei vocês, babacas!

O filme até que era interessante. Uma cidade inteira perde a visão e eles têm que se acostumar com isso. Não era um filme novo. Ele passara no cinema anos atrás. Aí me pergunto: quantas pessoas realmente enxergam hoje em dia?

Sinto uma vontade estranha em ligar para Natasha. Aquele papo com a Saudade não me fez bem... eu passei o filme inteiro lembrando de como minha vida era feliz e como agora ela é tão deprimente.
Bom, pelo menos eu não vivo de aluguel. Pelo menos meu nome não está sujo e todas as minhas contas estão pagas. É, eu realmente sou uma máquina de angústias.

Decidi tomar um café próximo ao cinema. Na Paulista tem lugares interessantíssimos com dandis antiquados que tornaram-se verdadeiros parnasos. É estranho como o mundo dá voltas.

Minha cabeça dá voltas. Enquanto o líquido preto e quente me furava a garganta, me veio a imagem daquela menina... Saudade. Ela se parecia tanto com Natasha... ela se parecia com tanta gente. Cada vez que eu lembrava dela, ela me parecia alguém diferente.

Ainda me lembro do número de Natasha... repetia como um mantra na minha cabeça, uma vez por dia... ela tinha uma tatuagem...  como explicara aquilo para seu novo amor? Um simples impulso? Um último tchau para a adolescência? Ela, hoje tão responsável... ainda continuava sonhadora? Estaria feliz?
É... todo esse lugar me cobra demais. Ainda me resta um pouco do dia de folga. Pularei num ônibus não muito lotado e verei onde dará.


Não poderia ir para um lugar pior...
O sol quente me lembra um dia de família. Um dia com pais brincando com seus filhos. O cachorro agarrando o squeeze do casal apaixonado. O skatista fazendo suas manobras para todos olharem, espantados.

O Ipiranga é a linha intermediária do velho e do novo, do início da ruptura. Dos pseudo-gritos de liberdade dados por um pseudo-representante do povo num pseudo-país livre. Pseudos... somos todos pseudos. Prazer, pseudo-Roberto, um pseudo-jornalista que trabalha num pseudo-jornal, num pseudo-cargo de pseudo-redator de uma pseudo-cultura.

Aqui sinto ares de Saudade. Ando por dez minutos, me afastando completamente do ambiente familiar do parque. Subindo para cima do edifício do museu, ainda na área externa, existe alguns banquinhos que não ficam ninguém. Alguns casais apaixonados decidem testar suas primeiras malícias ali. Encontro dois jovens embriagados sentados com uma garota. Ao me verem, imediatamente levantam-se e vão embora. Ela me olha, sorri. Me apresento.

- Muito prazer. Me chamo Roberto.
- Prazer. Me chamo Esperança.


quinta-feira, 6 de junho de 2013

PARALISIA CEREBRAL! NEIL YOUNG! DIOGO MAINARDI! SIGMUND FREUD! TITO!

"Tito tem paralisia cerebral."

Assim começa o relato biográfico e a epopéia literária de Diogo Mainardi em A Queda: as memórias de um pai em 424 passos.



O livro traz o relato do nascimento e a infância de Tito, o filho primogênito do escritor e jornalista Diogo Mainardi. A obra, cujo título nos remete quase que a um receituário das memórias do autor, passa a enredar a história familiar, artística e literária do autor. Dentre tantas personagens presentes em sua obra, encontramos Ezra Pound, Marcel Proust, Neil Young, Sigmund Freud, Adolf Hitler, U2, dentre outros, que vão se interligando com a história de vida do autor, de seu filho Tito e da construção cultural do mundo ocidental.



É um livro de narrativa fragmentada e contínua, que te emociona ao mesmo tempo que te informa e te transforma. Diogo Mainardi tem o poder de argumentar com ironia, de desestabilizar-se com realismo. Do que me chamou mais atenção na obra de Mainardi foi como altera a concepção de mundo para ele, a partir do nascimento de seu filho. Cada passo do livro, Mainardi dialoga o estado de adaptação de Tito com a história cultural do mundo observada pelo autor, já que ele tem dois deveres no mundo: ser pai e trabalhar como escritor de arte, cultura e política.



Vale muito a pena ler essa obra! A seguir, uma das passagens que mais me chamou atenção nesta biografia romanceada de Mainardi:



" 167



Agora Tito está em seu quarto. Eu estou na biblioteca.

Ele faz tap-tap-tap no teclado de seu computador. Eu respondo fazendo tap-tap-tap no teclado de meu computador.

Envio-lhe um PDF com a imagem de Christy Brown. Em seguida, explico-lhe pelo VoIP que Christy Brown tinha uma paralisia cerebral muito mais debilitante do que a sua, e que mesmo assim foi capaz de se transformar em um importante escritor.

Envio-lhe também um arquivo com a música de The Pogues e traduzo sua letra, que conta como Christy Brown, o bobo da aldeia, conseguiu tornar-se um escritor respeitado de norte a sul datilografando - tap-tap-tapping - com os dedos do pé. (...)"



Diogo Mainardi nasceu em 1962, em São Paulo. Mora em Veneza. Participa do programa Manhattan Connection, no canal Globo News. Publicou quatro romances e duas coletâneas de suas colunas para a revista Veja: A tapas e pontapés (Record, 2004) e Lula é minha anta (Record, 2007).





terça-feira, 4 de junho de 2013

URGENTE! OS MONSTROS INVADEM A CIDADE DE SANTOS!

Monstros gigantes adoram invadir Tóquio e Nova Iorque. Monstros gigantes não tem muito espaço na cultura tupiniquim. Monstros gigantes são tão distantes de nossa realidade quanto o western americano e o mangá japonês. Será? Gustavo Duarte prova e re-prova mil vezes que todas essas teses são furadas!

Em Monstros, de Gustavo Duarte, nos deparamos com uma invasão dos mais terríveis, grotescos e gigantescos monstros na cidade de Santos, em São Paulo. Como toda história de invasão e destruição de uma cidade por seres bizarros que saem dos mares tem um herói, nesta história não poderia ser diferente: o velho Pinô, dono de bar, pescador e famoso contador de casos da baixada é o protagonista dessa epopeia brasílica que marca a batalha do velho pescador contra as aberrações dos sete mares.

A narrativa de Os Monstros é encantadora e nos prende do começo ao fim. Contudo, há um detalhe importantíssimo nesta obra: trata-se de um quadrinho sem texto escrito. Isso pode parecer estranho em um primeiro momento - para os leitores menos encantados com o gênero pode até soar um tanto quanto desestimulante gastar dinheiro em um livro que se lê em uma sentada - mas aí vai a dica de quem gosta muito de arte e quadrinho e tem uma propriedade mediana para analisá-los: eu recomendo que em cada quadro desenhado por Gustavo Duarte se perca em média de cinco a dez segundos. A demora em cada quadro lhe garantirá a sequenciação narrativa de um filme à moda invasão de Tóquio! - além de fazer sua leitura durar mais e te impulsionar a repeti-la mais de uma vez, para retomar o transe que te leva a obra e a meditação sobre a obra. Você constrói o suspense da leitura a partir do ritmo que dá a ela, sendo devagar, apreciador de cada detalhe. O interessante também é que apreciando cada quadro, você observa a riqueza dos detalhes de cada descrição ilustrada pelo quadrinista de pontos reais da cidade de Santos sendo invadidos pelos monstros gigantes. Quem conhece a cidade, ficará maravilhado com a forma com que cada detalhe dos locais escolhidos pelo quadrinista foi adaptado à sua obra.

Vale a pena cada centavo gasto em Os Monstros, de Gustavo Duarte. Vocês encontram o livro nas grandes livrarias e eu comprei o meu no Espaço Geek da Livraria Cultura. Leiam e divirtam-se!

 Gustavo Duarte nasceu em São Paulo, em 1977, e mudou-se para Bauru em 1985. Formado em design gráfico pela Unesp, começou a sua carreira de cartunista e ilustrador no Diário de Bauru, onde atuou de 1997 a 1999. Além de colaborador com as principais revistas e jornais do país, foi chargista do Lance! Por doze anos e vencedor de sete prêmios HQ mix.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

O CORIFEU ASSASSINO, MARCELO NOCELLI E... AFINAL, QUEM MATOU PC FARIAS?

Marcelo Nocelli inaugura um noir brasileiro em seu romance-policial O Corifeu Assassino. Borges é o nosso Philip Marlowe: atrapalado, irritado com a tecnologia dos celulares, frustrado com o toque ensurdecedor de seu despertador chinês, dorme mal, ganha pouco, dobra sua jornada de trabalho na delegacia local de Teresina que o impossibilita cuidar de sua gastrite crônica e, advinhe só, cai de para-quedas em um caso de assassinato que envolve esquemas de corrupção em uma renomada indústria de papel. O que ele não sabe, e talvez nunca saberá - confirmem com a leitura do romance -, é que o assassino contratado é o suposto assassino de PC Farias.

Com um regionalismo de espertezas, Marcelo Nocelli tem o conhecimento exato de tudo que tece de cada região brasileira por onde passam seus personagens. Sem ser cansativo, o autor não se perde nas descrições geográficas que acabam fatigando um leitor não-nativo. Não que os romances regionalistas sejam um problema, mas a proposta do autor é outra: envolver o leitor em uma trama policial, em um regionalismo que se justifica por algumas descrições locais que refletem na psicologia de seus personagens. Como em Mário que nunca sonhou em ser rico e famoso, buscando uma gerência bem remunerada sem holofotes, refletido nos valores de uma formação de um típico nativo do interior paulista: busca o progresso, sem esquecer da cultura e dos valores familiares que lhe formam enquanto cidadão.

Leitura da semana, O Corifeu Assassino, de Marcelo Nocelli.

Marcelo Nocelli nasceu em 1973, em São Paulo, formou-se em tecnologia eletrônica e em Letras. É autor de contos e crônicas, publicados em revistas e sites especializados. Recebeu o prêmio Lima Barreto Novos Talentos em 2008 pelo conto ''Vivendo e aprendendo''. O Corifeu Assassino é seu segundo romance e, em julho deste ano, tem o lançamento de sua terceira obra, Reminiscências, que conta com uma coletânea de contos.


domingo, 2 de junho de 2013

03 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE


Eu e Natasha compartilhávamos tudo. Nos completávamos. Ela era sonhadora, vivia nas nuvens, enquanto eu tentava puxá-la de volta ao chão. Sei lá, era um equilíbrio perfeito.

Ela queria casar, ter filhos... uma família.
Eu sempre pedindo calma. Não tinha estabilidade alguma em emprego nenhum. Na verdade, eu não queria era me sujeitar a abrir mão de meu estilo. Eu sempre fui um cara muito teimoso, quer dizer, eu era um cara muito teimoso.
Quando terminei a faculdade de jornalismo, tudo que eu tinha era inúmeras colunas maravilhosas gravadas no .doc de meu computador, que acabaram caducando pela validade da informação que elas analisavam.

As coisas começaram a ficar difíceis.
Ela queria casar, ter filhos... uma família.
Eu pedia a calma que ela não estava preparada para ter.
Ela me pedia o conforto e a atenção que eu não estava conseguindo lhe dar.
Então, eu me dei um ultimato: iria trabalhar no primeiro jornal que me chamasse para uma entrevista.

Foi aí que me apareceu o jornal.
Eu percebi, de cara, que aquele lugar não era para mim. Era um jornal bom, de grande circulação, que além do diário, organizava uma revista para a região com cultura, esporte e dicas gastronômicas.
Não sei porque separavam gastronomia de cultura, mas eu era responsável pela parte cultural.
Em menos de duas semanas, tentei dar à coluna um pouco da minha cara. Transformei as resenhas enrijeçadas na estrutura nome do evento, data, horário, local e breve comentário, em um artigo de opinião de um único evento. Escolhia algo interessante na cidade e só falava daquilo.
Resultado: deixei de participar da revista e só fiquei com as notícias de porta de cadeia, do diário.

Meu salário diminiu, eu não queria ficar atrás de ocorrências de delegacia a vida inteira.
Foi aí que a paciência dela acabou...

- Você ainda gosta dela?
- Muito...

- E como ela está?
- Casada... com dois filhos. Como ela sempre sonhou.
- humm...

- Eu acho que esperei demais pelas coisas, as arquitetei demais... fiz tudo como achei que seria o certo. Não bebia quando namorava...
- Mas ela caiu fora depois que você reduziu o salário no jornal?

- Não pense nela como uma interesseira... ela sempre via o quanto eu me esforçava para conseguir as coisas, mas o quanto isso durava para se realizar. Eu acho que meu fracasso acabou decepcionando ela. Sei lá...
- Olha, as vezes não era para acontecer, né?
- Talvez...

- Foi a primeira namorada?
- A única com quem me envolvi bastante. Sete anos... desde os dezesseis.
- Nossa...

Nos conhecemos no colégio. Ela fazia parte do grêmio estudantil. Eu escrevia alguns versos bobos. Uma vez que escrevi um poema sobre o diretor. Não criticando, nem fazendo caricaturas jocosas, só relatando, com sensibilidade, um posicionamento que não concordava. Isso chamou atenção dela. Ela me chamou para entrar no grêmio.

Corrigia os textos do pessoal. Eles escreviam muito mal, sabe? Mas tinham idéias ótimas. Eles me achavam um gênio... mas eu só consegui evoluir até ali.

- Quando tinha dezoito anos escrevia do mesmo jeito que escrevo hoje.
- Sei...

- Não sei... mas acho que era mais feliz naquele tempo...

- Bem, eu espero que tudo dê certo com você...
- É... você tem que ir né?

- Sim... mas volte sempre que quiser conversar... gostei de você.
- Mesmo?

- Pra ser sincera, mais ou menos... na verdade fiquei com um pouco de pena. Mas volte mesmo assim. É sempre bom conversar.

- Ah ta... valeu, Saudade.
- Não se ofenda...