terça-feira, 4 de junho de 2013

URGENTE! OS MONSTROS INVADEM A CIDADE DE SANTOS!

Monstros gigantes adoram invadir Tóquio e Nova Iorque. Monstros gigantes não tem muito espaço na cultura tupiniquim. Monstros gigantes são tão distantes de nossa realidade quanto o western americano e o mangá japonês. Será? Gustavo Duarte prova e re-prova mil vezes que todas essas teses são furadas!

Em Monstros, de Gustavo Duarte, nos deparamos com uma invasão dos mais terríveis, grotescos e gigantescos monstros na cidade de Santos, em São Paulo. Como toda história de invasão e destruição de uma cidade por seres bizarros que saem dos mares tem um herói, nesta história não poderia ser diferente: o velho Pinô, dono de bar, pescador e famoso contador de casos da baixada é o protagonista dessa epopeia brasílica que marca a batalha do velho pescador contra as aberrações dos sete mares.

A narrativa de Os Monstros é encantadora e nos prende do começo ao fim. Contudo, há um detalhe importantíssimo nesta obra: trata-se de um quadrinho sem texto escrito. Isso pode parecer estranho em um primeiro momento - para os leitores menos encantados com o gênero pode até soar um tanto quanto desestimulante gastar dinheiro em um livro que se lê em uma sentada - mas aí vai a dica de quem gosta muito de arte e quadrinho e tem uma propriedade mediana para analisá-los: eu recomendo que em cada quadro desenhado por Gustavo Duarte se perca em média de cinco a dez segundos. A demora em cada quadro lhe garantirá a sequenciação narrativa de um filme à moda invasão de Tóquio! - além de fazer sua leitura durar mais e te impulsionar a repeti-la mais de uma vez, para retomar o transe que te leva a obra e a meditação sobre a obra. Você constrói o suspense da leitura a partir do ritmo que dá a ela, sendo devagar, apreciador de cada detalhe. O interessante também é que apreciando cada quadro, você observa a riqueza dos detalhes de cada descrição ilustrada pelo quadrinista de pontos reais da cidade de Santos sendo invadidos pelos monstros gigantes. Quem conhece a cidade, ficará maravilhado com a forma com que cada detalhe dos locais escolhidos pelo quadrinista foi adaptado à sua obra.

Vale a pena cada centavo gasto em Os Monstros, de Gustavo Duarte. Vocês encontram o livro nas grandes livrarias e eu comprei o meu no Espaço Geek da Livraria Cultura. Leiam e divirtam-se!

 Gustavo Duarte nasceu em São Paulo, em 1977, e mudou-se para Bauru em 1985. Formado em design gráfico pela Unesp, começou a sua carreira de cartunista e ilustrador no Diário de Bauru, onde atuou de 1997 a 1999. Além de colaborador com as principais revistas e jornais do país, foi chargista do Lance! Por doze anos e vencedor de sete prêmios HQ mix.


segunda-feira, 3 de junho de 2013

O CORIFEU ASSASSINO, MARCELO NOCELLI E... AFINAL, QUEM MATOU PC FARIAS?

Marcelo Nocelli inaugura um noir brasileiro em seu romance-policial O Corifeu Assassino. Borges é o nosso Philip Marlowe: atrapalado, irritado com a tecnologia dos celulares, frustrado com o toque ensurdecedor de seu despertador chinês, dorme mal, ganha pouco, dobra sua jornada de trabalho na delegacia local de Teresina que o impossibilita cuidar de sua gastrite crônica e, advinhe só, cai de para-quedas em um caso de assassinato que envolve esquemas de corrupção em uma renomada indústria de papel. O que ele não sabe, e talvez nunca saberá - confirmem com a leitura do romance -, é que o assassino contratado é o suposto assassino de PC Farias.

Com um regionalismo de espertezas, Marcelo Nocelli tem o conhecimento exato de tudo que tece de cada região brasileira por onde passam seus personagens. Sem ser cansativo, o autor não se perde nas descrições geográficas que acabam fatigando um leitor não-nativo. Não que os romances regionalistas sejam um problema, mas a proposta do autor é outra: envolver o leitor em uma trama policial, em um regionalismo que se justifica por algumas descrições locais que refletem na psicologia de seus personagens. Como em Mário que nunca sonhou em ser rico e famoso, buscando uma gerência bem remunerada sem holofotes, refletido nos valores de uma formação de um típico nativo do interior paulista: busca o progresso, sem esquecer da cultura e dos valores familiares que lhe formam enquanto cidadão.

Leitura da semana, O Corifeu Assassino, de Marcelo Nocelli.

Marcelo Nocelli nasceu em 1973, em São Paulo, formou-se em tecnologia eletrônica e em Letras. É autor de contos e crônicas, publicados em revistas e sites especializados. Recebeu o prêmio Lima Barreto Novos Talentos em 2008 pelo conto ''Vivendo e aprendendo''. O Corifeu Assassino é seu segundo romance e, em julho deste ano, tem o lançamento de sua terceira obra, Reminiscências, que conta com uma coletânea de contos.


domingo, 2 de junho de 2013

03 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE


Eu e Natasha compartilhávamos tudo. Nos completávamos. Ela era sonhadora, vivia nas nuvens, enquanto eu tentava puxá-la de volta ao chão. Sei lá, era um equilíbrio perfeito.

Ela queria casar, ter filhos... uma família.
Eu sempre pedindo calma. Não tinha estabilidade alguma em emprego nenhum. Na verdade, eu não queria era me sujeitar a abrir mão de meu estilo. Eu sempre fui um cara muito teimoso, quer dizer, eu era um cara muito teimoso.
Quando terminei a faculdade de jornalismo, tudo que eu tinha era inúmeras colunas maravilhosas gravadas no .doc de meu computador, que acabaram caducando pela validade da informação que elas analisavam.

As coisas começaram a ficar difíceis.
Ela queria casar, ter filhos... uma família.
Eu pedia a calma que ela não estava preparada para ter.
Ela me pedia o conforto e a atenção que eu não estava conseguindo lhe dar.
Então, eu me dei um ultimato: iria trabalhar no primeiro jornal que me chamasse para uma entrevista.

Foi aí que me apareceu o jornal.
Eu percebi, de cara, que aquele lugar não era para mim. Era um jornal bom, de grande circulação, que além do diário, organizava uma revista para a região com cultura, esporte e dicas gastronômicas.
Não sei porque separavam gastronomia de cultura, mas eu era responsável pela parte cultural.
Em menos de duas semanas, tentei dar à coluna um pouco da minha cara. Transformei as resenhas enrijeçadas na estrutura nome do evento, data, horário, local e breve comentário, em um artigo de opinião de um único evento. Escolhia algo interessante na cidade e só falava daquilo.
Resultado: deixei de participar da revista e só fiquei com as notícias de porta de cadeia, do diário.

Meu salário diminiu, eu não queria ficar atrás de ocorrências de delegacia a vida inteira.
Foi aí que a paciência dela acabou...

- Você ainda gosta dela?
- Muito...

- E como ela está?
- Casada... com dois filhos. Como ela sempre sonhou.
- humm...

- Eu acho que esperei demais pelas coisas, as arquitetei demais... fiz tudo como achei que seria o certo. Não bebia quando namorava...
- Mas ela caiu fora depois que você reduziu o salário no jornal?

- Não pense nela como uma interesseira... ela sempre via o quanto eu me esforçava para conseguir as coisas, mas o quanto isso durava para se realizar. Eu acho que meu fracasso acabou decepcionando ela. Sei lá...
- Olha, as vezes não era para acontecer, né?
- Talvez...

- Foi a primeira namorada?
- A única com quem me envolvi bastante. Sete anos... desde os dezesseis.
- Nossa...

Nos conhecemos no colégio. Ela fazia parte do grêmio estudantil. Eu escrevia alguns versos bobos. Uma vez que escrevi um poema sobre o diretor. Não criticando, nem fazendo caricaturas jocosas, só relatando, com sensibilidade, um posicionamento que não concordava. Isso chamou atenção dela. Ela me chamou para entrar no grêmio.

Corrigia os textos do pessoal. Eles escreviam muito mal, sabe? Mas tinham idéias ótimas. Eles me achavam um gênio... mas eu só consegui evoluir até ali.

- Quando tinha dezoito anos escrevia do mesmo jeito que escrevo hoje.
- Sei...

- Não sei... mas acho que era mais feliz naquele tempo...

- Bem, eu espero que tudo dê certo com você...
- É... você tem que ir né?

- Sim... mas volte sempre que quiser conversar... gostei de você.
- Mesmo?

- Pra ser sincera, mais ou menos... na verdade fiquei com um pouco de pena. Mas volte mesmo assim. É sempre bom conversar.

- Ah ta... valeu, Saudade.
- Não se ofenda...













terça-feira, 28 de maio de 2013

Tchékhov, o gordo, o magro e outras histórias

Tchékhov, ao lado de Gogol, Maupassant e Poe, é um dos maiores contistas da literatura universal - na minha singela opinião. Diferente de Poe, ele não explora o terreno do horror fantástico, mas sim o medo social dos temas comuns do cotidiano de vidas inexpressivas que fazem parte de uma sociedade russa ainda Czarista. Seus personagens possuem a dimensão humana presenciada em nossos tempos, sob a influência do consumismo capital. da conveniência dos papeis sociais e das classes que fulano de tal ocupa, apresentada em uma narrativa de humor, melancolia e muita ironia. 

Pessoas comuns, vidas comuns e uma obra eterna. Destaco o conto O Gordo e o magro, da obra A corista e outras histórias, de Tchékhov, onde nas bancas paulistanas sai pela bagatela de R$ 5,00 (impressos na capa) pela edição Coleção 64 Páginas, da L&PM pocket. O conto nos mostra algo fundamental para nossa história contemporânea (segundo o meu singelo olhar leigo): a revolução funciona na cabeça de cada indivíduo, no dia-a-dia, e não no golpe de Estado de determinados grupos. Observamos que, diante de tantas lutas e tantas reformas promovidas pelos Bolcheviques, presenciamos as mesmas mentalidades czaristas modernizadas em suportes inovadores de Ipads e redes sociais.

Aproveitem a leitura do conto O Gordo e o magro, de Tchékhov.

O GORDO E O MAGRO

´´Na estação de caminho-de-ferro «Nikolaevskaia» encontram-se dois amigos – um gordo e o outro magro.
O gordo acabava de almoçar no restaurante e tinha os lábios lambuzados de manteiga, nédios como cerejas maduras, cheirava a xerez e a fleur-d’orange. O magro entretanto, saía do comboio e estava carregado de malas, trouxas e caixas. Cheirava a presunto e a borras de café. Por trás das suas costas espreitavam a esposa, uma mulher franzina de queixo alongado, e o filho, um colegial, alto e um olho semicerrado.
- Porfiri! – exclamou o gordo ao ver o magro. – És tu, meu velho? Há que tempos não nos víamos!
- Jesus! Admirou-se o magro. – Micha! Amigo! Que te trouxe aqui?
Os amigos beijaram-se três vezes e fixaram um no outro os lhos cheios de lágrimas. Ambos estavam agradavelmente surpreendidos.
- Meu caro amigo! – começou o magro. – Não contava ver-te aqui! Que surpresa! Deixa-me ver-te bem! O mesmo bonitão, como sempre foste! O mesmo janota, o encanto em pessoa, Aí Jesus! Então, como é? Já estás rico? Casado? Eu já tenho família, como podes ver… apresento-te a minha mulher Luísa, da família dos Wanzenbach… uma luterana… O meu filho Nafanail, aluno do terceiro ano. Aqui têm o meu amigo de infância! Andámos juntos na escola!
Nafanail pensou um bocado e tirou o boné.
- Sim, andámos juntos na escola – prosseguiu o magro. – Lembras-te como te chamavam? Heróstrato* , por teres queimado um livro da biblioteca com um cigarro. E a mim Efialtes**, pois era queixinhas. Ah! Ah! Éramos crianças! Não tenhas medo, Nafanail! Chega-te cá mais perto… E eis a minha mulher, da família dos Wanzenbach… é uma luterana…
Nafanail! Pensou um bocado e achou por bem esconder-se por trás das costas do pai.
- Então como te corre a vida? – perguntou o gordo, olhando o outro alvoraçado. – Onde estás, na função pública?
- Sim, meu velho! Há dois anos que tenho grau de assessor e a ordem de Estanislau. O ordenado é baixo, mas isso não vem ao caso. A minha mulher dá lições de música, eu também montei um pequeno negócio; faço cigarreiras de madeira. Boas cigarreiras, a propósito. Vendo-as a um rublo cada. A quem comprar dez ou mais, faço desconto. Cá nos arranjamos como podemos. Antes trabalhava num departamento, agora metem-me aqui como chefe de secção… Bem, estamos já aqui. E tu, como vais? Não subiste ainda a conselheiro de Estado, hein?
- Não, meu caro, estou ainda mais alto – respondeu o gordo. – Sou conselheiro privado… Tenho duas Estrelas.
De súbito, o magro empalideceu, petrificado, mas logo o seu rosto abriu-se num sorriso desmedido e o rosto e os olhos pareciam faiscar. Encolheu-se, curvou-se, ficou mais estreito… As suas malas, trouxas e caixas também se encolheram, encarquilharam… O queixo alongado da mulher alongou-se ainda mais, e Nafanail pôs-se em sentido e abotoou o uniforme do colégio.
- Sim Excelência… é um grande prazer! Afinal, tenho por amigo de infância, se me permite a expressão, um alto dignitário do Estado! Ih! Ih!
- Ora, deixa-te disso! – disse o gordo, fazendo uma careta. – Perdão… mas como é possível… ciciou o magro, encolhendo-se ainda mais. – a benevolente atenção da Vossa Excelência é para nós um maná vivificante… A minha mulher Luísa, luterana, se me dá licença…
O gordo quis objectar qualquer coisa, mas ao ver no rosto do outro tanta devoção, doçura e submisso respeito, sentiu-se enjoado. Voltou a cabeça estendeu a mão em jeito de despedida.
O magro apertou-lhe três dedos, inclinou-se numa reverência profunda e soltou um risinho «Ih! Ih! Ih!», como um chinês. Nafanail curvou-se numa vénia e deixou cair o boné. Todos os três estavam agradavelmente surpreendidos.``


* Herostrato, com intuito de imortalizar o seu nome, incendiou em 356 a.c. o Templo de Ártemis, em Efeso, uma das sete maravilhas do mundo.
** Efialtes traidor do povo grego que, na batalha de Termópilas (480 a.c.) indicou o caminho secreto aos Persas.


domingo, 26 de maio de 2013

Gabriela despertou-me Jorge, ou Jorge despertou-me Gabriela?


Eu lembro do dia em que disse:

- Sabe, Jorge Amado é um escritor que não me atrai. Vender uma imagem da Bahia que não condiz com a realidade, produzir romance para virar novela da Globo, tudo isso me chateia muito. Eu gosto de romances sociais.

Puro preconceito de quem nunca havia lido nada do autor. Só o conhecia do boca a boca, das aulas teóricas do cursinho. Em sua essência mesmo, na humildade de sentar e ler, não conhecia. Mas... a língua não tem osso, e nós falamos com aquela potência de críticos literários, versificando saberes de ouvi por aí.

E nós somos assim. Nas nossas escolhas literárias, muitas vezes somos tomados pelo conceito de leitura dos outros e deixamos de conhecer boas obras só porque elas não são o IN do momento. Se você tem esse tipo de postura para escolher livros, nos abracemos! Fomos formados maus leitores. Somos daqueles que andam com um livro qualquer embaixo do braço e nos vemos no direito de opinar a leitura alheia. Tudo tem que ser lido, assistido, ouvido, para não cometermos esse erro de criticarmos sem saber.

Jorge Amado é maravilhoso. Descobri na leitura de Gabriela, cravo e canela um mundo imenso. É um autor para ser bem lido, bem cultuado. Devemos explorá-lo em detalhes, refletir as intrigas por ele postas, observar o caos de sua obra em um processo que faz acontecer na levidez do acontecendo. Gabriela existe para que reflitamos aquele mal estar de um progresso que acontece em todo lugar, menos na mentalidade humana de seus personagens.

Ricardo Celestino

02 - UM ENCONTRO COM A SAUDADE

Sou jornalista e escrevo numa coluna sobre cultura. Minha rotina é ir aos lugares e escrever alguma coisa sobre eles. Meus dedos criativos são livres para compor uma resenha que caiba em um quadrado de vinte centímetros de um jornal diário.

A coluna sai às quartas. No dia do jogo. No dia em que as pessoas estão chateadas com a rotina do trabalho. No dia em que a semana estaciona. No dia em que ninguém acha legal ler sobre cultura. Exceto a galera lá do meu jornal.

Eu costumo ir para vários lugares diferentes. De todos os lugares que eu conheço tenho milhares de coisas para escrever, compor, contar. Cada local, cada arte, tem a sua particularidade muito bem descrita.

Mas parece que as pessoas cansaram um pouco da inovação. Elas não gostam de criar e preferem apenas exaltar o conhecido. Eu queria poder escrever minha coluna a moda daqueles homens que inventaram o jornal.

Isso me irrita...

- E é aí que eu entro...
- Como?

- Você sente saudade de toda aquela agitação de antigamente né?! Pessoas criando coisas novas... gritando!
- É... parecia que antes tudo era feito com mais amor.
- Pois é... aquela época de gente com pulso firme, né?! Que tinha gogó!
- Exatamente. É como se você soubesse exatamente o que estou pensando...
- Aquela época que você não viveu...
- Isso... Qual seu nome?
- Saudade...
- Ah...

- Por que você está triste? Quer dizer... o fato das pessoas não escreverem coisas novas, ou de um jeito mais bacana, não deve influenciar tanto assim na tua vida pra te deixar tão chateado.

- Não sei... só que, bem... acho que já fui mais feliz um dia.
- Acha mesmo?
- É...

Quando eu estagiava no jornal, mesmo ganhando menos, tinha uma coisa que me fazia acreditar que eu ia pra frente.
Meus escritos sempre foram ruins, mas eu era novo... parecia que com o tempo melhoraria.
Só que ele não foi tão legal comigo... o cargo que eu assumi foi por falta de gente que o quisesse.
Acredite, em São Paulo, não é todo formado em jornalismo que aceita trabalhar num jornal de bairro com um salário de dois salários mínimos para escrever besteiras culturais.

- Eu acho que, no fim, deixei tudo nas costas da esperança.

- E por deixar tudo nas costas dela, você acabou aqui... sentado nesse banco comigo.

- Acho que se eu tivesse optado em ser outra coisa, estaria bem pior do que estou hoje.

- Será? Sua vida não foi traçada pelas opções que você fez? Será que se você tivesse colocado alguma vírgula fora do lugar, em um desses momentos aí, você não seria hoje alguma outra coisa?

Eu adorava escrever textos literários e dar de presente para as pessoas. Um amigo estava afim de uma garota, eu escrevia um poema. Uma garota queria impressionar algum affair, eu escrevia um conto.

Um nerd queria impressionar um nerd, eu escrevia um conto de terror, uma história fantástica, um elfo que matasse orcs, qualquer coisa.

- Este banco está desconfortável?
- Não. Eu gosto da sua companhia.

- Então vamos lá. Deve haver alguma coisa na sua memória que te conforte.

- Acho que sim. O amor... o amor foi diferente...

domingo, 19 de maio de 2013

UM ENCONTRO COM A SAUDADE


Não sei por que, mas pela manhã é muito difícil abrir meus olhos.

Mesmo com as percianas abertas e o verão estapeando minhas maçãs, meus olhos nunca querem abrir.

Um bom tempo depois do meu corpo, eles despertam ao som de um toque ensurdecedor de celular, me colocando em pé em posição de ataque: quem tenho que matar? Quem foi atingido? Para me colocar em pé, somente o som de tiros e explosões.

- Meu nome é Roberto e minha vida é uma merda!

Isso eu reflito no banho, enquanto a água quente faz com que minhas lágrimas nem sequer apareçam, e eu fico com a feição de um idiota chorando sem elas.

- Moro numa avenida paulistana cercada de gente que fede a merda. A minha vida...
- O que?
- Eles fedem à minha vida.

- Com ela?
- Também.

Então visto a pior roupa do armário. Só tenho piores roupas em meu armário. Não são roupas velhas, são roupas sem graça. Se eu tivesse que vestir uma roupa que me deixasse confortável em meu dia-a-dia, vestiria a fantasia daquele homem que aparece na TV.

Não há o que comemorar. Meus olhos ardem devido ao choro matinal forçado.

Cigarros esperam ao lado de um pão e uma xícara de café.

O viaduto era de chás.

Os chás faziam notas verdes,

Que faziam uma música,

Que mobilhava minha casa e tirava meus sentidos.

A vodca estava muito cara.

Natasha, Orlov te odeia!

- Orlov?
- Bem... é uma marca de vodca barata.
- Humm... Natasha?

- Bem... tem aquela barata que te dá nó na garganta, e aquela outra que me faz o mesmo. As duas me perseguem o dia seguinte inteiro: uma me causando náuseas e vômitos, a outra depressão.
- Poxa... literatura não é seu forte.

Pois é... caminho até uma padaria em frente ao meu apartamento.

Quase todos os dias alguém quase me faz o favor de me deixar feliz, mas breca quando deveria ter acelerado mais.

Na padaria, quem me atende é uma pessoa-registradora que parece uma máquina de fazer café e pão-com-manteiga.

Mas eu entro só para ler o jornal. Não ganho o suficiente para tomar café todo dia na rua. Eu sou uma máquina de angústias.

- Agora está melhorando...
- Meu dia?

- Não... sua literatura. Sabe, eu só te perguntei o que você faz da vida, não precisa narrar todos os teus passos.

- Poxa, é que faz tempo que ninguém me pergunta nada...