terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

CAMINHANDO A MAR ABERTO ou A EUROPA QUE NÃO RELUZIU EM MEUS OLHOS...



O trem me deixou na estação central da cidade e como minha mala estava muito pesada resolvi sentar um pouco e esperar os arrepios de meus músculos se acalmarem. Sentia os calos de meus pés doerem, sempre ardendo simetricamente, pelo tênis barato que calçava. Logo que o descanso de meu corpo começou, banhava-me de dentro para fora e a camisa começou a me incomodar. Não dava pra ficar tanto tempo parado...
Voltei com as sacas nas costas e caminhei pela escada que me levou pra cima. Senti-me mergulhado num mar, faltando um pouco de oxigênio em minhas narinas que cheiravam um ar de massas e necessidades. Havia carnes e gritos naquela multidão embravecida. No papel que me deram dizia Rua Direita, 95, e como de costume procurei a igreja, já que o local, me situaram, Praça da Sé.
Haviam olhos grandes por todos os lados, e eu caminhava sobre olhos e desviava de olhos o tempo inteiro. Parecia que meu cheiro era de gente nova, e não os condeno por me olharem. Se numa cidade pequena um novo chega, a impressão é a mesma. Aqui vale o número... perguntei a um dos olhos onde eu poderia encontrar o senhor Emanuel Texeira Vigo e ela me respondeu com os olhos. Continuei andando mesmo para não deixar que meu estar se incomodasse mais. Estava um pouco perdido, a mar aberto.
Eu precisava coçar minhas costas, precisava deixar as malas no chão um pouco, mas meus sentidos me traíam. Naquele lugar eu conseguia cheirar pela boca, ouvir pelos olhos e enxergar pelo nariz. Degustar nem me veio a mente naquela hora de desencanto. De onde eu vinha, esta cidade era impecável, a Europa americana.
Avistei uma gigantesca catedral. Eles gostam de coisas grandes, percebe-se. E se fosse para depender dos olhos, que dependesse dos olhos de Deus. Resolvi que ali eu ficaria um pouquinho, faria uma reza para descansar e talvez uma benta para me refrescar. Eu havia feito viagem, ônibus, trem e metrô, e a hospitalidade ainda não servira meus calcanhares.
A igreja era como as de lá, só que com monumentos e arquiteturas muito mais detalhadas e maiores. A imaginação estava tudo lá. Pra que missa? Com um prédio daquele, a missa já ta feita como exposição e lugar era o que não faltava para eu poder me descansar. Deixei de lado a mala, por que na casa de Deus ninguém ofende ninguém, e sentei bem pertinho do senhor cruxificado. Fiquei ali quietinho, rezando baixinho, enquanto sentia um gostosinho me passar pelo corpo todo. O relaxamento veio com a fé, eu acreditava, e fui ver onde colocavam a benta.
Esse raio de sacola, clamaram, fica pro meio do chão e não nos deixam passar, e eu educadamente fui lá buscar a mala que ficou pelo caminho. O padre não gostou não e ainda profetizou-me uma desgraça, me entitulou um conceito e me encostou com grossura. Pelo menos deu para descansar.
Rua direita, lado direito, foi mais fácil com a ajuda do emissor de Deus. E eu achando que estava a alto mar, quando na verdade só presenciei a prainha. Caminhei por vontade, mas se não fosse não faria diferença. Corpanzis juntos de corpanzis, fui só prestando atenção na numeração. Número 95.
Meu cunhado ganhou uma bolada com um tal de Emanuel Teixeira Vigo, e ele montou para mim um comércio de arte cinematográfica com cópias feitas em sua própria casa. Os fornecedores eram bons e de outras regiões. Estava lá, com seu bigode impecável, regendo o mar. Ele me apresentaria o mundo europeu, meu irmão... meu irmão me apresentaria a verdadeira cidade de São Paulo.




HISTÓRIA DA PRÉ-HISTÓRIA

Hoje a arte é pré-histórica,
Brinca com bolinhas coloridas
Tem depressões preto e cinza,
Não gargalhada a vida
Com a natureza de um Noel.

Hoje a arte ta pra lá,
Despreparada pro que vai e vem,
Tem pressa de se cumprir
E tem orçamento para fechar,
Uma correria de rotina escriturária.

Hoje a arte atingiu uma montanha,
E tem uma carinha moderna e fofa.
Pintam ela da cor que bem entendem,
E fica linda se olhada e suspirada
Como um pacote de presente caro.

Nada mais declaro à arte,
Por que ela se sustenta a si só
Virou bacharelado e licenciatura
E tão dizendo que tem mensalidade cobrando alto
Pelo pressão de um bom Machado.


(trecho de LIS)

LIS – Eu não chorei pela morte do meu pai... eu chorei pela falta de companhia que meu pai me trouxe. O vazio que eu nunca tinha sentido. Eu chorei pela saudade, e não pelo ato de morte. Aliás, ninguém chora pelo ato de morte, todo mundo é egoísta, não acham? Pensam no sofrimento que terá ao saber que nunca mais verá a pessoa, e aí falam, ai coitadinho, ele morreu. Mas quem está sofrendo pela morte dele é você. Você é o coitadinho...

(Idéias para Lipstick Killer)

Conjunto de vasos que saem do coração e se ramificam sucessivamente distribuindo-se para todo o organismo. Do coração saem o tronco pulmonar (relaciona-se com a pequena circulação, ou seja leva sangue venoso para os pulmões através de sua ramificação, duas artérias pulmonares uma direita e outra esquerda) e a artéria aorta (carrega sangue arterial para todo o organismo através de suas ramificações).


Estrutura:
1- Túnica externa: é composta basicamente por tecido conjuntivo. Nesta túnica encontramos pequenos filetes nervosos e vasculares que são destinados à inervação e a irrigação das artérias. Encontrada nas grandes artérias somente.
2- Túnica média: é a camada intermediária composta por fibras musculares lisas e pequena quantidade de tecido conjuntivo elástico. Encontrada na maioria das artérias do organismo.
3- Túnica íntima: forra internamente e sem interrupções as artérias, inclusive capilares. São constituídas por células endoteliais.

Ramificações:
1- Ramos colaterais: surgem dos troncos principais em ângulo agudo, em ângulo reto ou em ângulo obtuso.
2- Ramos terminais: são os que irrigam com certa exclusividade um determinado território. São os ramos mais ditais.

Relação volumétrica: a soma da área dos lumes dos ramos distais é sempre maior que a área do vaso que lhe deu origem.

Anastomose: significa ligação entre artérias, veias e nervos os quais estabelecem uma comunicação entre si. A ligação entre duas artérias ocorre em ramos arteriais, nunca em troncos principais. Às vezes duas artérias de pequeno calibre se anastomosam para formar um vaso mais calibrosos. Freqüentemente a ligação se faz por longo percurso, por vasos finos, assegurando uma circulação colateral.

Relações:
1- Com as veias: a norma geral é que um artéria seja acompanhada por pelo menos uma veia, sendo chamadas veias satélites. Artérias de grosso calibre geralmente são acompanhadas por uma veia e artérias de média e pequeno calibre são seguidas em seu trajeto por duas veias.
2- Com os músculos: certos músculos servem como ponto de reparo às artérias que os acompanham, sendo chamados de músculos satélites, como por exemplo o músculo esternocleidomastóideo que acompanha a artéria carótida comum.
3- Com as articulações: as artérias sempre passam pela superfície flexora da articulação.


- Desaposentado Ricardo Celestino

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

A VIDA PÚBLICA... SOCIEDADE

Dentre outras formas de se poder viver em sociedade,
Eu sou o que vivo eternamente algemado com meus deveres.

Não me considero enforcado nem subjugado pelo sistema,
Aproveito das primeiras calabresas da pizza parcelada,
Mas ainda sim, sufoca-me um pouco o laço,
A tribuna, os ofícios e os vocábulos.

Dentre outras formas de se poder viver em sociedade,
Eu sou o que vivo eternamente algemado com meus deveres.

Ricardo Celestino

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

À ÚNICA PESSOA QUE CONHEÇO QUE SABE AMAR...

AMOR SINCERO

Te enxergo sem capas, nua
Em um escuro tão determinado a se iluminar
Pouco a pouco iluminando
O que antes a nudez mostrada
Não mostrava em outros cantos.

A surpresa de um embate,
Talvez chamar, combate
O inesperado seja sempre o que se vêm.

Comigo o amor não é um problema
Embora seja sempre passageiro
As ânsias de se gozar no momento é que cicatrizam,
Mas as marcas ficam
E ficam pra ficar.

Vá, lute, escravize-se até algo fazer com que se mude.
O mundo te impede de não ser egoísta,
Mas o egoísmo é um mal necessário,
Não é defeito,
Qualidade,
De um amor sempre atualizado,
E da eterna juventude
Contrastando com as nudezas da mocidade.

Sinto que serei sempre um jovem apaixonado,
Pois Amor envelhecido não me vale,
Independe dos meus sonhos e de minhas buscas,
De toda e qualquer estabilidade.
Amar sim. Completamente.
Fingir, jamais.



RICARDO CELESTINO

NÁUFRAGO DA UTOPIA

``Brecht externou a idéia de que é feliz a nação que não tem necessidad ede heróis. Afinal, a função do herói não vai além de nos apontar caminhos e nos alertar sobre os riscos da existência, o que por si so já os torna imprescindíveis. No mundo real nada substitui a ação humana, por vezes pequena, mas persistente, diária, coletiva, dos seres humanos. Grandes feitos e transformações mágicas cabem muito bem na ficção, pois expressam nossos desejos. Realizá-los cabe aos pequenos feitos cotidianos dos homens na extensão do tempo.``

- Luís Alberto de Abreu - Introdução do livro Náufrago da Utopia.

E se este discurso fosse gritado em todas as escolas do país, talvez muitas cabeças mudariam. Não digo que mudariam assim, do dia pro outro, mas numa grande escala de tempo, se martelássemos essa idéia na cabeça das pessoas. Cultivamos figuras heróicas o tempo todo, e como um bom torcedor apenas observamos como o herói se sai. Normalmente, para não dizer quase sempre, o herói mostra-se um incrível vilão, e aí acontece do direito de voto tornar-se uma grande forma de se manipular as votações, da imagem do presidente nos desmotivar por esperarmos tudo de quem não pretende fazer nada, enfim, de toda a boa imagem que criamos, na prática sendo distorcida por ações malucas.

Em que ponto gostaria de chegar com esse discurso? Bem, lendo o livro de Celso Lungaretti percebo que quanto mais dedicarmos as nossas vidas como bastidores, as mudanças vão correr de nós, vão pra muito longe. No entanto, gritar e expressar é ainda algo muito perigoso. Se antes nossos inimigos eram os militares, hoje lutamos contra a surdez cultivada por eles. E o que mais deve entristecer pessoas como Lungaretti é ver que vozes que gritavam ao teu lado hoje apenas fazem a manutenção de toda essa estrutura podre que nos rodeia desde Cabralzinho.

Bem, meu discurso é torto e mal preparado, mas espero que tenham ao menos a curiosidade de ler o livro dessa interessante pessoa que é Celso Lungaretti. E pra quem mora na Zona Leste, pra ser mais preciso na Mooca, vai curtir bastante as primeiras páginas. Assim como todo moquense, ele também esconde uma vaidade e deve ter uma camiseta do juventus guardada no fundo da gaveta.

- Ricardo Celestino


``Gerson é o primeiro do grupo a sofrer com os novos tempos. Preso por suspeita de subversão, passa um dia apanhando no Deops. Leva choques no pênis, nos testículos. Mas resiste, sabendo que nada têm contra ele; se não confessar, vão acabar acreditando que é um zé-ninguém e o soltarão.``

- Celso Lungaretti.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A SOLIDÃO É MELHOR QUE AMAR...

ASSISTENCIALISMO

Trouxeram-me um café
E depois um pedaço de pão
Deixei tudo na mesa
Pois estava atrasado para trabalhar.

Horário de almoço
São mastigadas,
e até pra isso criaram jeito
e estabeleceram que
a cada vinte mastigadas uma garfada,
a cada trinta garfadas uma concessão.
E aí dei trinta e uma,
Fiquei sem uma hora de salário pelo atraso,
E pela esperteza de querer ser mais que os outros.

E o jantar um café com pão,
Café-com-pão-zando meu anoitecer,
E encerrando meu dia como um soneto
4 4 3 3


- Ricardo Celestino

terça-feira, 28 de outubro de 2008

SOCIEDADE LIVRE

Sou livre para
beber,
fumar,
e me masturbar
até esporrar numa imagem sexual alimentada pela minha banda larga.

sou livre para
consumir,
gastar,
e me masturbar
pelo menos todo dia, uma vez por dia,
em horários flexíveis.

sou livre para tudo.
sou livre para o grito e o consumo,
pois afinal
eu me masturbo.

Ricardo Celestino

POETA, POETINHA...

A classificação de poeta e todo seu status de o ser supremo que consegue com a palavra atingir as mais divinas ânsias subjetivas da humanidade, o glorioso que, enfim, possui todo um talento nato que o faz se distinguir das pessoas comuns, o ser que está distante do que se tem por idéia A SOCIEDADE, aquele que observa tudo com uma certa distância e com isso tem a capacidade de criar e recriar, de brincar com as palavras e as pessoas, meus caros, não existe. Eu afirmo e reafirmo, não existe.
Refletindo sobre o conceito de poeta, cheguei a um impasse paradoxal: seria o poeta um Deus? Mas se divino e grandioso, por que a eterna esperança e o eterno pavor de Manuel Bandeira pela morte? Se fossem os poetas tão sabidos e donos de toda a razão, por que o suicídio de Sá Carneiro? E ainda, se fossem todos de atitudes tão sábias, qual a explicação das atitudes dos ex-tropicalientes?
Acontece que sempre houve uma grande dificuldade em se conceituar poeta e grandes poetas no tempo em que os observamos. Com isso, Manuel Bandeira dizia-se um poetinha, Vinícius de Moraes, orgulhando-se com sua produção poética, era desvalorizado pelo mundo acadêmico com a sua produção musical, mesmo afirmando e gritando que as músicas não passavam de poemas com ritmos instrumentalizados, Oswald de Andrade só teve seu valor com as escavações de Antonio Candido. E cá estamos, escrevendo e implorando por um espaço nos livros didáticos?
Não, provavelmente nenhum desses artistas gostariam de simplesmente serem lembrados em parágrafos de livros didáticos, principalmente transformarem-se em fonte de lucros familiares, vide Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade, ops, Carlos D. And., vai que me cobram algo pelo nome completo do rapaz. E de repente, os escritores tornam-se imortais donos de uma cadeira, de um número, de uma ostentação. E de repente nos deparamos com pessoas comuns, que caminham, comem e realizam as necessidades do dia-a-dia universalizados como deuses com poderes genéticos fantásticos, possibilitados e gabaritados a escreverem os mais divinos versos, com conhecimentos enciclopédicos apenas pelo fato de existirem, e você, eu, todos nós ali, com os versinhos embaixo do braço, nos comparando e dizendo: Poxa, que merda eu sou?
E chego a conclusão que ser poeta é convenção social. Eu não posso me dizer poeta, eu não posso fazer poesia. Enquanto houver a literatura e ao seu lado uma estante de literatura marginal, acho indigno o título de poeta. Indigno e elitista. Se temos um poeta, logo ao lado temos apenas o letrista, apenas o poetinha, ou apenas o poeta marginal. E reparamos que toda essa ostentação e todo esse academicismo que respeitamos dos antepassados literatos, hoje caveiras de corpo e materiais de presença na verdade servem também para nos amedrontar e travar nossos pulsos.
E daí proponho a utilização dos clássicos como inspiração. E daí bato na tecla já gasta de Machado de Assis, de Oswald de Andrade, de Oscar Wilde, de Bauldelaire e talvez até de Edgard Allan Poe. Mas quem sou eu para me igualar a eles? Quem somos? Eu vos digo quem somos... somos pessoas vivas e isso dói. Infelizmente dói e incomoda.

- Ricardo Celestino